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Metodologias coletivas para o ensino de projeto em engenharia e arquitetura

Resumos

Os problemas e desafios de uma sociedade a cada dia mais complexa e global têm motivado o Departamento de Fundamentos de Projeto da UFJF a desenvolver diversas abordagens para ensinar conceitos-chave de projeto dentro de disciplinas que objetivam a manipulação de imagens e representações de projeto. Tais abordagens são baseadas no uso de metodologias de aprendizagem colaborativa e ferramentas CAD. A união dos conteúdos novos e tradicionais das disciplinas é construída através de dinâmicas coletivas aplicadas em grupos de alunos. Essas dinâmicas começam na sala de aula e são completadas em casa através do acesso a uma página na Web. Esse trabalho apresenta os fundamentos que sustentam nossa abordagem de ensino colaborativo e uma breve descrição das ferramentas, resultados e projeções dessa pesquisa.

Ensino de Projeto; Aprendizado Colaborativo; WWW


The problems and challenges of an even more complex and global society, have motivated the Fundamental of Design Department at Federal University of Juiz de Fora, to develop several approaches for the teaching design key concepts within disciplines emphasizing both, the image manipulation and design representation. Such approaches are based on the use of collaborative learning methodologies and CAD tools. The combination of the content from the traditional and new disciplines is achieved through collective dynamics applied to student groups. These dynamics begin in the classroom, but are completed at home, through access to an specifically designed webpage. This work shows the foundations that support our collaborative learning approach in addition to a brief description of the tools, results and projections of this research.

teaching design; design webpage


Expressão Gráfica e Novos Meios Educativos

Metodologias coletivas para o ensino de projeto em engenharia e arquitetura

José A. Aravena-Reyes

Departamento de Fundamentos de Projeto, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Universitário

Bairro Martelos, Juiz de Fora, MG, CEP 36036-330.

E-mail: aravena@need.ufjf.br

Resumo

Os problemas e desafios de uma sociedade a cada dia mais complexa e global têm motivado o Departamento de Fundamentos de Projeto da UFJF a desenvolver diversas abordagens para ensinar conceitos-chave de projeto dentro de disciplinas que objetivam a manipulação de imagens e representações de projeto. Tais abordagens são baseadas no uso de metodologias de aprendizagem colaborativa e ferramentas CAD. A união dos conteúdos novos e tradicionais das disciplinas é construída através de dinâmicas coletivas aplicadas em grupos de alunos. Essas dinâmicas começam na sala de aula e são completadas em casa através do acesso a uma página na Web. Esse trabalho apresenta os fundamentos que sustentam nossa abordagem de ensino colaborativo e uma breve descrição das ferramentas, resultados e projeções dessa pesquisa.

Palavras-chave: Ensino de Projeto, Aprendizado Colaborativo, WWW

Abstract

The problems and challenges of an even more complex and global society, have motivated the Fundamental of Design Department at Federal University of Juiz de Fora, to develop several approaches for the teaching design key concepts within disciplines emphasizing both, the image manipulation and design representation. Such approaches are based on the use of collaborative learning methodologies and CAD tools. The combination of the content from the traditional and new disciplines is achieved through collective dynamics applied to student groups. These dynamics begin in the classroom, but are completed at home, through access to an specifically designed webpage. This work shows the foundations that support our collaborative learning approach in addition to a brief description of the tools, results and projections of this research.

Keywords: teaching design, design webpage

1. Introdução

Tradicionalmente engenheiros e arquitetos adquirem, dentro da sua formação, conhecimentos sobre como projetar seus respectivos objetos de estudo. Porém críticas têm se tornado freqüentes devido à distância que existe entre o que é ensinado como projeto e aquilo que posteriormente torna-se conhecimento útil. Aprende-se a projetar na prática é uma frase que reflete o infrutífero esforço dos muitos que lidam com ensino de projeto. As ementas de algumas disciplinas de projeto em engenharia são baseadas em processos tão racionais e sistemáticos que dificilmente poder-se-ia falar de ensino de projeto. Por outro lado, na arquitetura, o projeto muitas vezes é ensinado em cenários irreais, que tornam o processo de "aprender projeto" uma aventura fantasiosa e pouco ligada com a realidade técnica. Em ambas as áreas, o ensino de projeto, às vezes, se traduz na criação de desenhos especulativos ou na busca de soluções óbvias para problemas pre-estruturados1 1 Por exemplo, Joaquim Guedes coloca que o distanciamento da arquitetura sobre questões técnicas tem levado os projetistas a "criar desenhos do nada, erráticos e supersticiosos" (Eupalinos ou o Arquiteto, Editora 34, 1996); Elvan Silva introduz seu livro falando da necessidade do ensino de projeto na arquitetura (Uma Introdução ao Projeto Arquitetônico, Editora da UFRGS, 1984); Para uma leitura sobre o projeto como uma atividade de estruturação mais do que resolução de problemas ver o trabalho de Bill Hillier ( Knowledge and Design, em Developments in Design Methodology, N. Cross Editor, 1983). .

A prática tradicional de ensino de projeto tem enfatizado atividades dentro de disciplinas, geralmente de final do curso, baseadas em exercícios típicos de projeto, mas nada é ensinado para despertar ou aprimorar habilidades para o projeto, como a criatividade, a crítica, a colaboração, etc. Sob essa perspectiva, não é difícil entender o porquê dos resultados obtidos.

"Ensinar o projeto" necessariamente envolve vincular diversas disciplinas com o "estado de ser do projeto", que, no caso específico das disciplinas de expressão gráfica, traz benefícios significativos, porque através delas é mais fácil transparecer que um dos grandes objetivos da engenharia e arquitetura é a criação de objetos técnicos. Atualmente, o desenho e a representação gráfica têm como grande aliado a informática, que implica que o tratamento da informação, seja de imagens ou de dados, está gerando habilidades específicas de projetar diretamente sobre suporte digital. O digital torna-se um meio e o desenhar digital se converte em um manipular modelos digitais: o papel é re-descoberto como meio, porém, mesmo quando fica evidente que a finalidade do desenho e da expressão gráfica é servir à representação e criação intelectual, existe uma lacuna na orientação de como pensar o projeto através de ferramentas computacionais.

Desde as primeiras contribuições para o estudo do projeto, muitos pesquisadores concordam em que o projeto por si próprio configura uma disciplina de estudo ou área de conhecimento. Nesse sentido, uma boa abordagem seria ensinar projeto como uma disciplina diferenciada (ora vinculada a várias outras), porém a reorganização de toda uma grade curricular para introduzir novos conteúdos gera problemas adicionais que podem ser contornados mediante o uso de dinâmicas que permitam aproveitar o espaço de outras disciplinas no processo de ensino do projeto.

Esse artigo relata a experiência de uma disciplina ministrada para alunos de arquitetura, na qual foram realizadas algumas mudanças metodológicas para introduzir conceitos de projeto mediante atividades coletivas dentro do escopo da própria disciplina.

2. Aprendizado Colaborativo

Recentes estudos destinados a descobrir qual será o perfil necessário para os profissionais dos próximos anos têm apresentado resultados nada alentadores para os defensores da formação disciplinar e especializada. Os futuros profissionais deverão trabalhar em equipes interdisciplinares, possuir espírito crítico, formação generalista e grande capacidade de se adaptar a novos cenários de atuação (Aravena, 1999a). O domínio de conhecimentos técnicos especializados está se tornando menos relevante e existe uma tendência a incluir, dentro das práticas de ensino, atividades que desenvolvam aptidões para a colaboração, negociação e outras características similares. Isto é resultado principalmente da sociedade globalizada e do uso de novos sistemas de tratamento de informação, que automatizam tarefas que antes consumiam muito tempo.

Na teoria, a nossa proposta de aprendizagem colaborativa pode ser mais bem entendida, se relacionada aos trabalhos sobre construção social de conhecimento de Vigotsky, Lévy e outros autores.

Vigotsky (Vigotsky, 1997, 1998) realizou muitos estudos sobre a influência da linguagem no desenvolvimento da criança e chegou à conclusão de que as funções de desenvolvimento intelectual aparecem primeiro no nível social e depois no individual. Em termos pedagógicos, isto implica que a relação do sujeito com o conhecimento mais do que ser ativa é interativa, quer dizer, é mediada por outro sujeito. Vigotsky cimentou as bases das correntes progressistas2 2 No trabalho de Maria Teresa de Freitas (Contribuições da Perspectiva Sócio-Histórica para a Formação do Professor de Engenharia, Anais do V Encontro de Ensino de Engenharia UFRJ-UFJF, 1999), é incluído um quadro bastante ilustrativo sobre as diferenças entre as abordagens Objetivista (Behaviourista), Subjetivista (Gestalt), Cognitivista (Piagetiana) e Sóciohistórica (Vigotskyana). Tais diferenças estão basea-das principalmente na forma como se situa o homem concreto e real na sua relação com o conhecimento. , nas quais o processo de ensino-aprendizado é entendido como um processo único do qual participam alunos e professores. Nesse caso, o papel do professor é criar zonas de desenvolvimento proximal (conhecimento em potencial) entre os diversos sujeitos e o conhecimento.

Por outro lado, Lévy (Lévy, 1995, 1999) tem apresentado uma grande contribuição à cultura do ciberespaço, fazendo uma reflexão crítica sobre o papel dos coletivos e da técnica na construção social do conhecimento. Se para Vigotsky o homem é contextualizado historicamente, para Lévy a história da técnica condiciona, sem determinar, à do pensamento. No universo homens-coisas de Lévy, não existe separação entre objeto e sujeito, entre indivíduos e sociedade ou entre técnica e ciência. Todo é parte de uma rede em constante metamorfose, a qual possui uma identidade coletiva heterogênea ao envolver atores humanos e não-humanos.

A sóciotécnica de Lévy se levanta como uma opção frente à supremacia das abordagens sociológicas do conhecimento3 3 John Law apresenta uma crítica similar, argüindo que não existe razão para colocar como menos relevante a relação dos homens com a técnica na construção social do conhecimento. A análise da navegação da frota portuguesa no Atlântico é utilizada como exemplo para mostrar que a existência de redes heterogêneas homens-coisas tem condicionado o surgimento de certos tipos de conhecimentos (ver Technology and Hetereogeneous Engineering: The Case of Portuguese Expansion em The social Construccion of Technological Systems, Bijker, Hughes & Pinch Editores, USA, 1989). . Aprender por software faz parte do atual processo de culturização, onde o digital se apresenta como o instrumento da mudança na velocidade do tempo real e as redes de computadores se apresentam como a virtualidade do espaço. Para Lévy constitui uma ingenuidade acreditar que os processos de aquisição de conhecimento continuarão a ser os mesmos que se estabilizaram antes do surgimento dessas tecnologias. Como antropólogo do ciberespaço, Lévy acredita que as formas de criação e consumo de conhecimento na rede sinalizam novos espaços cognitivos e estruturas sociais, onde o ato de ensinar encontra-se diluído na continuidade do ensinar-aprender de uma rede sócio-técnica heterogênea. Tal rede pode ser representada através da metáfora do hipertexto (Lévy, 1995).

Sem que isto signifique que nossa proposta de aprendizagem colaborativa possua uma metodologia própria ou característica, nossos esforços estão sendo direcionados para a construção social de conhecimento mediante as redes de computadores, onde professores e alunos, mais do que se enquadrarem em uma dada relação de ensino-aprendizado, contribuem para o desenvolvimento de um novo status da estrutura social à qual pertencem.

Em termos práticos, parece relativamente simples implementar atividades de equipes (só bastaria definir um trabalho e designar os grupos), porém a incorporação de dinâmicas que explorem a colaboração, a crítica e outras características necessárias à formação atual deve ser cuidadosamente estudada, pois a simples reprodução de práticas interativas assistidas por redes de computadores pode levar a resultados pouco satisfatórios em termos qualitativos, como no caso do ensino a distância, onde a maior parte dos problemas que atualmente existem são de ordem metodológica mais do que tecnológica, embora grande parte dos sites educacionais veja na tecnologia o eixo da relação de ensino-aprendizado.

A seção seguinte apresenta algumas contribuições para modelos colaborativos de ensino que estão sendo desenvolvidos pelo Departamento de Fundamentos de Projeto (PRO) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

3. Modelos Coletivos na Web: TRIAU-II.

3.1. Antecedentes Gerais

O fenômeno da WWW tem ajudado muito para o uso de ambientes de auxílio ao ensino colaborativo. Mas, dadas suas características estáticas, inicialmente os ambientes desenvolvidos foram simples repositórios estáticos de informação cuja única função era disponibilizar para os alunos textos de estudo e apostilas em formato digital. Posteriormente, com o advento de linguagens de programação como o JavaScript, CGI (Common Gateway Interface) e outros, foram desenvolvidos diversos "espaços virtuais", um tipo de aplicação mais sofisticada, que, além de disponibilizar a informação na rede, oferece diversos serviços como salas de chat eletrônico, salas de matrículas, etc.

Embora todos esses sistemas sejam bastante úteis, aspectos importantes da colaboração só podem ser considerados através de dinâmicas ou estruturas que permitam melhorar a interatividade dos próprios alunos, como as Discussões Estruturadas, que representam um bom caminho para aproveitar a rede como fórum de debate e contribuir para a construção coletiva do conhecimento. Essas estruturas podem ser construídas mediante sistemas gerenciadores de listas de correio eletrônico ou ambientes de desenvolvimento de groupware como o Lotus Notes (Aravena, 1998, 1999b).

Atualmente, novos sistemas têm sido desenvolvidos para entrar no aquecido negócio do Ensino e Treinamento a Distância. Learning Space, TopClass, Aula Net e outros sistemas são de grande auxílio quando o que se quer é implementar ensino a distância em ambientes corporativos ou universitários, embora seus custos tornem seu uso proibitivo em organizações que possuem baixos orçamentos para capacitação de pessoal.

Embora os ambientes citados anteriormente não sejam direcionados especificamente para a colaboração, eles ajudam muito na criação de dinâmicas interativas e intersubjetivas de ensino. No caso da UFJF, alguns modelos de ambientes de colaboração estão sendo desenvolvidos, tanto para ambientes acadêmicos quanto para não acadêmicos. Ambientes para a edição colaborativa de livros (CBook), para o projeto coletivo (CDesigner), para o registro e gestão coletiva de conhecimento acadêmico (SIGA) e para a construção coletiva de conhecimento, mediante o protocolo Peer Review4 4 O Peer Review, ou processo de avaliação pelos pares, é um protocolo que permite a revisão coletiva de documentos (trabalhos, textos etc.) por parte dos próprios membros de uma organização. Em ambientes acadêmi-cos, esse protocolo permite que os trabalhos dos alunos sejam criticados tanto por profes-sores quanto por colegas de aula, mediante um processo gerenciado por um sistema em rede baseado na tecnologia workflow (para mais informações veja Workflow: A Tecnolo-gia que vai Revolucionar Processos, Tadeu Cruz, Editora Atlas, 1998). , são algumas das aplicações que estão sendo atualmente desenvolvidas no PRO/UFJF.

O PRO está dedicado a estudar dinâmicas que permitam estimular e desenvolver a colaboração através de sistemas em rede, porém muitos desses estudos devem ser baseados, de preferência, em cenários reais (ver Figura 1), dado que as práticas de colaboração são mais bem prescritas quando propostas ou reproduzidas a partir de grupos envolvidos na realização das suas atividades concretas. A seção seguinte apresenta uma experiência de sala virtual que está sendo realizada com uma disciplina de Arquitetura da UFJF, a qual implementa uma abordagem de ensino colaborativo assistido por redes de computadores.

Figura 1
- As Home-Pages de três web-sites de sistemas colaborativos para ambientes acadêmicos desenvolvidos no PRO: (a) CBook, para edição colaborativa de livros; (b) Peer Review, para avaliação pelos pares; e (c) SIGA, para cadastro e gestão de projetos de pesquisa.

3.2. A disciplina TRIAU-II

TRIAU-II é a segunda parte da disciplina Tratamento e Representação da Informação em Arquitetura e Urbanismo, ministrada pelo PRO para o curso de Arquitetura da UFJF. A ementa da disciplina considera aspectos de modelagem tridimensional, tratamento de imagens, mas os conteúdos são estruturados em uma dinâmica que também permite que sejam ministrados conteúdos de teoria de projeto e alguns aspectos importantes para o desenvolvimento da colaboração e do trabalho em equipe.

Ao longo de toda a disciplina os alunos são instruídos sobre o uso de softwares comerciais apropriados para a modelagem tridimensional e o processamento de imagens. Porém, através de um pequeno sistema em Internet, as aulas são complementadas com leituras e tarefas coletivas realizadas, a qualquer horário, dentro ou fora da universidade. O web-site TRIAU-II é uma sala virtual, onde pode-se enviar e-mails (Link Mensagens), deixar recados públicos (Link Painel), acessar textos de estudos (Link Textos), participar de discussões assíncronas (Link Debates) e testar os conhecimentos individuais mediante perguntas de auto-avaliação (Link AV). A Figura 2 apresenta a página principal do web-site.

Figura 2
- Esquema de enlaces principais do web-site TRIAU-II: (a) Zona de mensagens, um ambiente Webmail para uso exclusivo dos membros do grupo; (b) Debates, discussão estruturada para analisar textos de leitura; (c) Biblioteca Digital, um repositório de textos de estudo e (d) A-V, um espaço para perguntas de auto-avaliação.
Figura 3 - Alunos da disciplina, durante uma aula prática sobre o sistema dentro da sala de aula. O sistema não pretende substituir as aulas presenciais; só visa sua complementação através de ferramentas da Internet.

Os textos de estudo são incluídos no início das atividades e, geralmente, objetivam polêmica em torno do projeto, de modo a permitir que os estudantes elaborem suas próprias respostas, reforçando, assim, suas capacidades de crítica. A cada período, um texto de estudo é selecionado para ser disponibilizado para os alunos. Por exemplo, no primeiro período de 1999, foi incluído um texto sobre a relação entre o real e virtual, entretanto para o segundo período foi escolhido outro texto que apresenta aspectos neuro-biológicos da percepção.5 5 Os textos selecionados são direcionados para gerar polêmica e permitir que os alunos apresentem as suas opiniões pessoais. O professor atua como um moderador entre o texto e os objetivos da disciplina, orientando a construção coletiva do conhecimento. No caso da leitura de Neurobiologia da Percep-ção, a idéia foi levantar a discussão sobre quem é que determina o conteúdo de uma mensagem: o autor ou o receptor. Essa dis-cussão é associada aos objetivos da compo-sição das imagens digitais dos objetos de projeto.

Ambos os textos permitem que os estudantes sejam capazes de estruturar, de forma colaborativa, um entendimento do que significa trabalhar com ferramentas que representam realisticamente espaços (virtuais) ou do que significa informação e tratamento da informação (em função do nome da disciplina). Essa abordagem permite a inclusão implícita de aspectos de teoria de projeto. Os textos são utilizados para as dinâmicas de debates, onde são definidos grupos de 3 a 5 alunos, os quais, depois de cadastrados no sistema, têm entre três a cinco semanas para ler e incluir suas impressões no web-site. Uma semana depois da inclusão, os grupos são convocados para fazer uma crítica das impressões dos seus pares, iniciando uma dinâmica de busca e esclarecimento que motiva até os alunos menos participativos a colocar suas opiniões no web-site. Posteriormente essas discussões são aproveitadas como material de estudo para as novas turmas.

O vínculo gerado entre os textos de estudo e alguns aspectos de teoria de projeto e semiótica da imagem tem levado os estudantes a aprender, de forma muito acelerada, conteúdos sobre projeto, que, se ensinados mediante metodologias tradicionais, levariam muito mais tempo para serem apropriados. Os resultados obtidos fazem-nos acreditar que a apropriação acelerada de tais conhecimentos se deve principalmente à forma como eles são adquiridos: os estudantes estão todo o tempo participando de atos lingüísticos, dentro de uma dinâmica democrática, que elimina a figura que simboliza o certo ou o errado. Segundo as impressões obtidas a partir dos próprios alunos, a construção coletiva do conhecimento se estabelece em torno de um linguajar contextualizado que os identifica, pois, embora os tópicos sejam introduzidos gradualmente pelo professor, a interiorização deles se produz principalmente entre dos processos argumentativos dos próprios alunos: o professor simplesmente representa uma figura de arbitragem, à qual eles recorrem quando se torna necessário validar ou esclarecer as suas próprias reflexões. O fato de as discussões serem orientadas para a polêmica obriga os alunos a colocar de manifesto toda sua personalidade na construção de um "senso comum". As discussões criam um certo status de conhecimento na turma, que fica registrado dentro do web-site TRIAU-II. Ao finalizar o período, os alunos ficam com os conhecimentos obrigatórios da ementa da disciplina, acrescidos de teoria de projeto, mas, principalmente, capacitados para reconhecer o estado de ser do projeto, quer dizer, aprendem que o projeto não é uma definição fechada sobre algum fenômeno psíquico ou intelectual, mas um estado de ser pode ser atingido através de uma preparação integral do ser: espírito crítico, criativo e colaborativo 6 6 Para um aprofundamento sobre aspectos fenomenológicos do projeto, veja o livro de Jean-Pierre Boutinet ( Antropologia do Projecto, Intituto PIaget, Portugal, 1997). Nesse trabalho, Boutinet realiza uma análise filosófica do projeto, desde a perspectiva ontológica, baseado nos conceitos de projeto elaborados por Heidegger e Merleau-Ponty. Outro trabalho interessante para desmistifi-car as idéias de projeto baseadas nas ciências cognitivas é apresentado no livro de Virgínia Kastrup ( A Invenção de Si e do Mundo, uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição, Editora Papirus, Brasil, 1999), onde se evidencia a falta de uma psicologia da invenção. A autora se baseia nos trabalhos de Bergson, Delleuze e Guattari, para mostrar que o projeto epistemológico das ciências cognitivas não incorporou o tempo inventivo dentro do seu domínio de análise. .

Paralelamente à inclusão de teoria de projeto dentro das disciplinas mencionadas, outra conseqüência tem se mostrado bastante interessante na análise do uso de novas tecnologias no ensino. Depois de um ano de uso, o sistema tem conseguido integrar duas turmas de estudantes da disciplina TRIAU-II (cujos horários são bastante diferentes) com alguns professores e estudantes do curso de Engenharia Industrial da Universidade Católica de Valparaiso (Chile).

Essa interação tem servido para ampliar a análise dos tópicos, enriquecendo os debates da turma, mas também tem ajudado a observar novos aspectos das dinâmicas do ensino auxiliadas por redes de computadores. Por exemplo, o grupo que atualmente participa das dinâmicas transcende tanto fronteiras políticas quanto idiomáticas e culturais, pois as contribuições, em idioma português ou espanhol, são impessoais e carregadas de aspectos culturais, que têm obrigado os alunos a ter mais flexibilidade nas suas relações. Por outro lado, só pelo fato de ter a possibilidade de interagir sistematicamente com pessoas que não são acessíveis em termos físicos, acelera-se para os alunos e professores o processo de reconhecimento de aspectos tecnológicos (positivos ou negativos) da globalização.

4. Conclusão

O ensino do projeto, geralmente vinculado à maior parte das disciplinas específicas de engenharia e arquitetura, pode ser ensinado mediante práticas colaborativas com o auxílio das redes de computadores. Diversas modalidades de web-sites podem ser utilizadas para alcançar esse objetivo, porém tais práticas podem induzir falsas expectativas, se elas não são acompanhadas de metodologias que permitam aos alunos desenvolver a crítica, a criatividade e a colaboração.

O web-site TRIAU-II é utilizado como suporte às atividades de aula na disciplina de Tratamento e Representação da Informação, permitindo a implantação de uma metodologia colaborativa que aproveita o espaço dessa disciplina para, tanto incorporar tópicos de teoria de projeto, quanto desenvolver a critica, a criatividade e a colaboração entre os alunos. O professor aparece como um mediador entre as informações e os sujeitos de conhecimento. As dinâmicas colaborativas permitem uma aprendizagem acelerada devido ao envolvimento em atos lingüísticos dos alunos. Paralelamente, a interação dos estudantes com outros estudantes e professores de diferentes turmas e nacionalidades tem permitido uma avaliação de aspectos culturais e tecnológicos no uso de redes de computadores no ensino.

A nossa experiência mostra que o uso desses tipos de metodologia produz uma aceleração no processo de apropriação de conhecimentos e auxilia efetivamente no reconhecimento da ontologia do projeto.

Futuras atividades dessa pesquisa consideram incluir a participação de turmas de disciplinas similares de outras universidades na formalização de uma dinâmica interinstitucional de aprendizagem colaborativa de projeto de engenharia e arquitetura.

Artigo recebido em 06/11/2000.

  • ARAVENA-REYES J., Hipertextos como ferramenta de auxílio ao ensino de metodologias de projeto, São Paulo: COBENGE, Brasil, 1998.
  • ARAVENA-REYES J., Ensino a distância, Relatório de Atividades, http://www.ngt.ufjf.br/DDTP/Aravena/Bdigital.nsf/Pages/EaD/, Brasil, 1999a.
  • ARAVENA-REYES, J. Modelos coletivos para la educación de la expresión gráfica. Actas del II Congreso Iberoamericano de Expresión Gráfica en Ingeniería, Argentina, 1999b.
  • LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática, Brasil: Editora 34 Ltda., 1995. (Coleção TRANS)
  • LÉVY, P. Cibercultura Brasil: Editora 34 Ltda., 1999. (Coleção TRANS)
  • VIGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem, Brasil: Martins Fontes Editora, 1997.
  • VIGOTSKY, L. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores In: COLE, Michael et al. (Org.). Brasil: Martins Fontes, 1998.
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    Por exemplo, Joaquim Guedes coloca que o distanciamento da arquitetura sobre questões técnicas tem levado os projetistas a
    "criar desenhos do nada, erráticos e supersticiosos" (Eupalinos ou o Arquiteto, Editora 34, 1996); Elvan Silva introduz seu livro falando da necessidade do ensino de projeto na arquitetura (Uma Introdução ao Projeto Arquitetônico, Editora da UFRGS, 1984); Para uma leitura sobre o projeto como uma atividade de estruturação mais do que resolução de problemas ver o trabalho de Bill Hillier (
    Knowledge and Design, em Developments in Design Methodology, N. Cross Editor, 1983).
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    No trabalho de Maria Teresa de Freitas (Contribuições da Perspectiva Sócio-Histórica para a Formação do Professor de Engenharia, Anais do V Encontro de Ensino de Engenharia UFRJ-UFJF, 1999), é incluído um quadro bastante ilustrativo sobre as diferenças entre as abordagens Objetivista (Behaviourista), Subjetivista (Gestalt), Cognitivista (Piagetiana) e Sóciohistórica (Vigotskyana). Tais diferenças estão basea-das principalmente na forma como se situa o homem concreto e real na sua relação com o conhecimento.
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    John Law apresenta uma crítica similar, argüindo que não existe razão para colocar como menos relevante a relação dos homens com a técnica na construção social do conhecimento. A análise da navegação da frota portuguesa no Atlântico é utilizada como exemplo para mostrar que a existência de redes heterogêneas homens-coisas tem condicionado o surgimento de certos tipos de conhecimentos (ver
    Technology and Hetereogeneous Engineering: The Case of Portuguese Expansion em The social Construccion of Technological Systems, Bijker, Hughes & Pinch Editores, USA, 1989).
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    Peer Review, ou processo de avaliação pelos pares, é um protocolo que permite a revisão coletiva de documentos (trabalhos, textos etc.) por parte dos próprios membros de uma organização. Em ambientes acadêmi-cos, esse protocolo permite que os trabalhos dos alunos sejam criticados tanto por profes-sores quanto por colegas de aula, mediante um processo gerenciado por um sistema em rede baseado na tecnologia
    workflow (para mais informações veja
    Workflow: A Tecnolo-gia que vai Revolucionar Processos, Tadeu Cruz, Editora Atlas, 1998).
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    Os textos selecionados são direcionados para gerar polêmica e permitir que os alunos apresentem as suas opiniões pessoais. O professor atua como um moderador entre o texto e os objetivos da disciplina, orientando a construção coletiva do conhecimento. No caso da leitura de Neurobiologia da Percep-ção, a idéia foi levantar a discussão sobre quem é que determina o conteúdo de uma mensagem: o autor ou o receptor. Essa dis-cussão é associada aos objetivos da compo-sição das imagens digitais dos objetos de projeto.
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    Para um aprofundamento sobre aspectos fenomenológicos do projeto, veja o livro de Jean-Pierre Boutinet (
    Antropologia do Projecto, Intituto PIaget, Portugal, 1997). Nesse trabalho, Boutinet realiza uma análise filosófica do projeto, desde a perspectiva ontológica, baseado nos conceitos de projeto elaborados por Heidegger e Merleau-Ponty. Outro trabalho interessante para desmistifi-car as idéias de projeto baseadas nas ciências cognitivas é apresentado no livro de Virgínia Kastrup (
    A Invenção de Si e do Mundo, uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição, Editora Papirus, Brasil, 1999), onde se evidencia a falta de uma psicologia da invenção. A autora se baseia nos trabalhos de Bergson, Delleuze e Guattari, para mostrar que o projeto epistemológico das ciências cognitivas não incorporou o tempo inventivo dentro do seu domínio de análise.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2001

    Histórico

    • Recebido
      06 Nov 2000
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