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Da intersubjetividade à intercorporeidade: contribuições da filosofia fenomenológica ao estudo psicológico da alteridade

From intersubjectivity to intercorporeality: contributions of a phenomenological philosophy to the psychological study of alterity

De l'intersubjectivité à l'intercorporalité: contributions de la philosophie phénoménologique à l'étude psychologique de l'altérité

Resumos

Este texto apresenta o questionamento filosófico sobre a intersubjetividade, nas teorias fenomenológicas de Husserl, Scheler e Merleau-Ponty, considerando suas contribuições para o estudo psicológico da alteridade. Apresentam-se formas de surgimento do outro para mim e de sua possível presença como elemento constitutivo do mundo ao qual pertenço e, acima de tudo, como elemento que me constitui. Para que o outro possa ser reconhecido em sua radical alteridade não posso nem "instituí-lo" por comparação comigo mesmo, por analogia, nem por projeção ou introjeção e nem por processos de fusão afetiva. Estas são formas que excluem a possibilidade do reconhecimento do outro em sua diferença. Sugere-se que é a partir da experiência sensível/ perceptiva, na esfera própria de um corpo vivido, que é possível o reconhecimento do outro como diferença por meio de suas formas expressivas. Conclui-se, assim, que a noção de intersubjetividade poderia ser substituída com vantagens pela de intercorporeidade.

Fenomenologia; Alteridade; Intersubjetividade; Intercorporeidade


This paper presents the philosophical questioning of intersubjectivity in the phenomenological theories of Husserl, Scheler and Merleau-Ponty, considering their contribution to the constitution of psychological studies of alterity. It presents forms in which the other appears before me, its possible presence as a constitutive element of the world in which I take part, and above all, as a constitutive element of myself. In order to recognize the other in its radical alterity I cannot institute it by comparison with myself, by analogy or introjection and not even by processes of affective fusion. These forms exclude the possibility of recognizing the other in its difference. It is suggested that we have to start with a sensible/perceptive experience in the proper sphere of a lived body, so as to make it possible to recognize the other as difference in its expressive forms. As a conclusion, a favorable substitution of the notion of intersubjectivity by the one of intercorporeality is proposed.

Phenomenology; Alterity; Intersubjectivity; Intercorporeality


Ce texte présente une réflexion philosophique sur l'intersubjectivité dans les théories phénoménologiques de Husserl, Scheler, et Merleau-Ponty, considérant leur contribution à l'étude psychologique de l'altérité. Des formes de surgissement de l'autre à moi se présentent et de sa présence possible comme élément constitutif du monde auquel j'appartiens et, au-dessus de tout, comme élément dont je suis constitué. Pour que l'autre puisse être reconnu dans son altérité radicale je ne peux ni « l'instituer » par comparaison avec moi-même, par analogie, ni par projection ou introjection, ni par des procédés de fusion affective. Ce sont des formes qui excluent la possibilité de reconnaître l'autre en sa différence. On suggère qu'à partir de l'expérience sensible/perceptive, dans la sphère propre d'un corps vivant, la reconnaissance de l'autre comme différence au moyen de ses formes expressives soit possible. On conclut ainsi que la notion d'intersubjectivité pourrait être avantageusement substituée par celle d'intercorporalité.

Phénoménologie; Altérité; Intersubjectivité; Intercorporalité


Da intersubjetividade à intercorporeidade: contribuições da filosofia fenomenológica ao estudo psicológico da alteridade

From intersubjectivity to intercorporeality: contributions of a phenomenological philosophy to the psychological study of alterity

De l'intersubjectivité à l'intercorporalité : contributions de la philosophie phénoménologique à l'étude psychologique de l'altérité

Nelson Ernesto Coelho Junior1 1 Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia. Av. Prof. Mello Moraes, 1721, São Paulo - SP 05508-900. Endereço eletrônico: ncoelho@usp.br

Instituto de Psicologia - USP

RESUMO

Este texto apresenta o questionamento filosófico sobre a intersubjetividade, nas teorias fenomenológicas de Husserl, Scheler e Merleau-Ponty, considerando suas contribuições para o estudo psicológico da alteridade. Apresentam-se formas de surgimento do outro para mim e de sua possível presença como elemento constitutivo do mundo ao qual pertenço e, acima de tudo, como elemento que me constitui. Para que o outro possa ser reconhecido em sua radical alteridade não posso nem "instituí-lo" por comparação comigo mesmo, por analogia, nem por projeção ou introjeção e nem por processos de fusão afetiva. Estas são formas que excluem a possibilidade do reconhecimento do outro em sua diferença. Sugere-se que é a partir da experiência sensível/ perceptiva, na esfera própria de um corpo vivido, que é possível o reconhecimento do outro como diferença por meio de suas formas expressivas. Conclui-se, assim, que a noção de intersubjetividade poderia ser substituída com vantagens pela de intercorporeidade.

Descritores: Fenomenologia. Alteridade. Intersubjetividade. Intercorporeidade.

ABSTRACT

This paper presents the philosophical questioning of intersubjectivity in the phenomenological theories of Husserl, Scheler and Merleau-Ponty, considering their contribution to the constitution of psychological studies of alterity. It presents forms in which the other appears before me, its possible presence as a constitutive element of the world in which I take part, and above all, as a constitutive element of myself. In order to recognize the other in its radical alterity I cannot institute it by comparison with myself, by analogy or introjection and not even by processes of affective fusion. These forms exclude the possibility of recognizing the other in its difference. It is suggested that we have to start with a sensible/perceptive experience in the proper sphere of a lived body, so as to make it possible to recognize the other as difference in its expressive forms. As a conclusion, a favorable substitution of the notion of intersubjectivity by the one of intercorporeality is proposed.

Index Terms: Phenomenology. Alterity. Intersubjectivity. Intercorporeality .

RÉSUMÉ

Ce texte présente une réflexion philosophique sur l'intersubjectivité dans les théories phénoménologiques de Husserl, Scheler, et Merleau-Ponty, considérant leur contribution à l'étude psychologique de l'altérité. Des formes de surgissement de l'autre à moi se présentent et de sa présence possible comme élément constitutif du monde auquel j'appartiens et, au-dessus de tout, comme élément dont je suis constitué. Pour que l'autre puisse être reconnu dans son altérité radicale je ne peux ni « l'instituer » par comparaison avec moi-même, par analogie, ni par projection ou introjection, ni par des procédés de fusion affective. Ce sont des formes qui excluent la possibilité de reconnaître l'autre en sa différence. On suggère qu'à partir de l'expérience sensible/perceptive, dans la sphère propre d'un corps vivant, la reconnaissance de l'autre comme différence au moyen de ses formes expressives soit possible. On conclut ainsi que la notion d'intersubjectivité pourrait être avantageusement substituée par celle d'intercorporalité.

Mots-clés: Phénoménologie. Altérité. Intersubjectivité. Intercorporalité.

A psicologia confronta-se, cada vez mais, com as exigências éticas colocadas pela necessidade de reconhecimento da alteridade como elemento constitutivo das subjetividades singulares. Não são poucas as teorias, das sócio-construtivistas às psicanalíticas, que têm voltado sua atenção à importância do reconhecimento da alteridade, valorizando em seus estudos a pesquisa sobre as formas intersubjetivas de comunicação.2 2 Ver, a esse respeito, Apprey e Stein (1993), Figueiredo (1994), Frayze-Pereira (1994), Ogden (1994) e Valsiner (1998).

Essa situação contemporânea opõe-se a grande parte da tradição filosófica moderna, principalmente àquela herdeira da filosofia cartesiana, que concebe o Eu como uma unidade auto- constituída, independente da existência de um Outro. Cabe também fazer referência à clássica oposição sujeito/objeto, marca epistemológica do pensamento moderno, que fez com que a noção de intersubjetividade fosse recusada e, assim, fosse considerada sem interesse, principalmente para teorias como as psicológicas, que pretendiam ser ciência.

Por outro lado, a filosofia fenomenológica caracterizou-se pelo estudo do conceito e da experiência da intersubjetividade, especialmente no que se refere a uma concepção de ser humano que integre em sua constituição a experiência da alteridade. Husserl, em seu pioneirismo, desenvolveu argumentações centrais quanto à fundamental importância da experiência intersubjetiva para toda e qualquer forma de conhecimento de si e do outro. E os trabalhos de seus sucessores, Scheler, Heidegger, Merleau-Ponty e Lévinas, fizeram da filosofia fenomenológica uma referência central para os interessados em estudar a intersubjetividade.

Em alguns estudos recentes3 3 Ver, a esse respeito, Braten (1998). têm sido distinguidos ao menos três significados para a noção de intersubjetividade, que com maior ou menor evidência parecem remeter às indicações originais das fenomenologias de Husserl e Scheler, embora nem sempre autores como Braten (1998) o indiquem. O primeiro significado, mais clássico, presente, por exemplo, na tradição da filosofia existencialista de Martin Buber e Gabriel Marcel, revelaria o sentido de comunhão interpessoal entre sujeitos que mutuamente estão sintonizados em seus estados emocionais e em suas respectivas expressões. O segundo significado, reconhecível em estudos como os de Habermas (1970), compreende a intersubjetividade como aquela que define a atenção conjunta a objetos de referência em um domínio compartilhado de conversação lingüística ou extra-lingüística. Como terceiro significado, indica-se a capacidade de se estabelecerem inferências sobre intenções, crenças e sentimentos de outros, que envolveriam a simulação ou a capacidade de "leitura" de estados mentais e processos de outros sujeitos que, de alguma forma, nos remeteria ao clássico conceito de empatia. Além desses significados, a noção de intersubjetividade costuma ser definida, em termos da tradição psicológica, como sendo a situação na qual, por suas mútuas relações, numerosos (ou apenas dois) sujeitos formam uma sociedade ou comunidade ou um campo comum e podem dizer: nós4 4 Ver, a esse respeito, Jolivet (1975, p. 128). . Pode ser definida, também, como sendo o que é vivido simultaneamente por várias mentes, surgindo, então, a denominação experiência intersubjetiva.

Feita essa apresentação inicial, entendo ser necessário considerar individualmente as contribuições fundamentais de Husserl, Scheler e Merleau-Ponty ao tema.

Husserl

O interesse de Husserl pelo tema da intersubjetividade é precoce, como atestam os textos do período de 1905-1910, publicados no volume XIII da Husserliana5 5 Recebem o nome de Husserliana, os volumes de publicações das Obras Completas de Husserl, editados por Walter Biemel, em Louvain, Bélgica. , desmentindo, assim, uma concepção difundida de que Husserl só teria se interessado por esse tema, tardiamente em sua obra, notadamente no fim dos anos 20, período das Meditações Cartesianas (1929). Historiadores da filosofia e comentadores da obra de Husserl, cada vez mais concordam que a intersubjetividade não é uma questão entre outras da fenomenologia, mas sim, que recobre uma dimensão essencial para a sua compreensão.

Na fenomenologia de Husserl, a noção de intersubjetividade ocupará lugar central em sua discussão sobre a possibilidade de se conhecer a experiência que temos de um outro, assim como do mundo objetivo, em geral. Coerente com a recusa em conceber a fenomenologia como um simples idealismo, Husserl reconhece que o outro, uma outra consciência, ou um outro ego, existem independentes de minha consciência. Assim como o mundo físico, "objetivo", está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, também um outro sujeito, uma outra subjetividade precisaria ser reconhecida como possuindo uma existência independente de mim. Por outro lado, em seu desenvolvimento da idéia de uma fenomenologia transcendental, Husserl não tem como evitar a afirmação de que não há como conhecer o outro diretamente, de forma imediata. Só sei do outro, só conheço o outro, ou outra consciência, outro ego, a partir de minha consciência intencional (consciência que é, enquanto consciência de algo). Assim, o outro só me aparece através dessa mediação, através das condições presentes de ter apenas consciência de meu ego como pertença inequívoca, como presença imediata. O outro só existe, nesse sentido da consciência intencional, como uma experiência de meu ego. Desse modo, é possível afirmar que no plano da consciência intencional, o mundo vivido é sempre o mundo vivido de cada um, singularmente considerado, embora sempre intencionalmente dirigido a um outro objeto ou a uma outra consciência. Portanto, a experiência de um sujeito não teria como ser remetida, enquanto condição constituinte, a um mundo vivido em comum, compartilhado com outros. Esse é um dos problemas que se colocou desde o início para a filosofia fenomenológica de Husserl. Como veremos, no entanto, desenvolvimentos posteriores sugerem uma nova solução para o problema, por meio de uma fenomenologia genética (e não estática), voltada para o tema da constituição das experiências vividas, no mundo da vida, fortalecidos com a publicação dos inéditos de Husserl. Essa solução aparecerá através da investigação das experiências da corporeidade. Nesse plano, a subjetividade passaria à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, o que abrirá o caminho para o trabalho de vários fenomenólogos posteriores. É preciso reconhecer que, em seus textos tardios, principalmente naqueles localizados no horizonte da Krisis (1954/1976), Husserl aceita e faz a si mesmo as críticas que alguns de seus seguidores viriam a fazer às suas concepções sobre a intersubjetividade.

1. Quinta Meditação Cartesiana (conjunto de conferências realizadas na Sorbonne, em Paris, em fevereiro de 1929, publicadas pela primeira vez, já em tradução francesa, em 1931. As conferências foram publicadas em alemão só em 1950, no volume I da Husserliana)

A epoch (epokhe) fenomenológica desemboca, necessariamente, em uma posição solipsista? Ou seja, teríamos por fim, após as sucessivas reduções, que o ego é toda a realidade, e que os outros egos dos quais só possuo a representação, não possuem existência independente, passível de ser conhecida diretamente, sem mediações? Em um primeiro momento, Husserl (1929/1969) afirma que os outros egos não são simples representações e objetos representados em mim, mas que seriam justamente "outros", enquanto fatos transcendentais de minha esfera fenomenológica. Já no fim da quinta meditação, ele afirmará: "... pela e na minha experiência própria, não me apreendo apenas eu próprio, mas também, graças a uma forma especial de experiência, apreendo também outrem." (p. 239). E ainda: "A aparência de solipsismo é dissipada, ainda que permaneça verdadeiro que tudo o que existe para mim só pode extrair o seu sentido existencial de mim, na esfera de minha consciência." (p. 241) Trata-se de explicitar uma teoria transcendental da experiência do outro, uma teoria como a da empatia (Einfühlung). Vejamos como essa teoria se desenvolve.

Como nos lembra Husserl (1929/1969) :

É necessário inicialmente por em destaque o plano da constituição de "outrem" ou dos "outros em geral", quer dizer, dos egos excluídos do ser concreto que me pertence (excluídos do eu- ego primordial). (...) o outro, primeiro em si (o primeiro não-eu) é outro eu. E isso torna possível a constituição de um domínio novo e infinito do "estranho a mim" de uma natureza objetiva e de um mundo objetivo em geral, ao qual pertencem os outros e eu próprio. (pp. 174-175)

Para Husserl, há uma comunidade de mônadas formadas pelos vários eus (outros e eu próprio), uma comunidade que constitui um só e mesmo mundo. No plano do que ele denomina de intersubjetividade transcendental, há uma esfera intersubjetiva de pertença, em que se constitui, de maneira intersubjetiva, o mundo objetivo. Mas esse é, de fato, o ponto de chegada das meditações. Antes, seria necessário esclarecer os passos que me apresentam o outro, a experiência do "outro", pelo que Husserl denomina "apercepção por analogia".

O problema da experiência de "outro"

Ao investigar a possibilidade de um indivíduo ter a experiência de um outro, Husserl refere-se ao que denomina de "esfera própria ou primordial" (Eigenheits- oder Primordialsphäre). Essa esfera designaria, de um lado, a experiência da autodotação (Selbstgegebenheit) mais originária possível e, de outro, pressuporia que a experiência da alteridade não pode se dar fora de uma auto- experiência. Com isso, Husserl procura apontar para o fato de que o outro, entendido como consciência estrangeira (fremdes Bewwusstsein), não nos é dado nessa esfera de originalidade, nessa esfera inaugural. Já que, se fosse o caso, o próprio outro seria acessível de forma direta e seria meramente um momento de meu próprio ser e, desse modo, eu e o outro seríamos o mesmo. O que pertence a essa esfera original é apenas minha experiência do outro, as assim chamadas experiências de empatia (Einfühlungen). O interessante é que, para Husserl, isso bastaria para mostrar que essa esfera própria ou primordial não é, de modo algum, uma esfera solipsista, já que inclui também as vivências que o ego tem do outro, ou, ao menos, de um outro ego. Essa esfera original deve ser entendida como o conceito geral de tudo aquilo que é dado de forma direta, auto-dado em forma originária em todas as experiências do ego. Para Husserl (1929/1969), trata-se de um "Mit-da" que não está presente (aí), que não tem como chegar a ser um si-mesmo-aí (Selbst-da-werden kann) (p. 187). É possível reconhecer uma "apresentação" do outro, mas nunca uma "presentação". O exemplo clássico utilizado na fenomenologia é o do cubo. Posso ter a frente do cubo como "presentação", mas os lados que não vejo me aparecem por "apresentação". O outro é outro não somente porque suas vivências não me podem ser dadas de forma original, mas também, principalmente, porque temos a experiência dele em uma situação subjetiva que, por princípio, não pode ser minha.

O corpo do outro

Husserl (1929/1969) sugere que um corpo exterior de um outro, por analogia, é percebido como percebo meu próprio corpo. Motivado por essa semelhança, tendo a realizar uma "transferência aperceptiva" (apperzeptive Übertagung), pela qual concebo o corpo exterior como um corpo em analogia com meu próprio corpo (p. 188).

Husserl chega a considerar a possibilidade do conhecimento do outro sem partir do cogito primordial, ou seja, "a partir de uma consciência que não é nem o eu, nem o outro" (Merleau-Ponty, 1988, p. 41). Mas considerar essa possibilidade não faz ainda com que Husserl consiga abandonar a concepção de uma subjetividade transcendental como única referência segura para o conhecimento do outro. Será só em seus textos inéditos dedicados ao tema da intersubjetividade (Husserliana XII, XIV e XV), que Husserl virá propor que a subjetividade transcendental é intersubjetividade, mas como lembra Merleau-Ponty (1988), sem conseguir chegar a conciliar as duas exigências, de um lado, a que afirma a anterioridade da subjetividade à intersubjetividade e, de outro, a que afirma a intersubjetividade como anterior à subjetividade.

Nas Ideen II (Husserliana IV), publicadas também postumamente, encontra-se, pela primeira vez, em uma filosofia até então profundamente marcada pela tradição das filosofias da consciência, uma referência clara à importância do corpo na relação com as coisas e com os outros. Apresenta-se, nesse texto, a idéia de que a corporeidade e sua relação com os outros viabiliza o mundo objetivo através de uma co-constituição. Esse será o caminho aberto para as investigações fenomenológicas pós-husserlianas, como as de Scheler e Merleau-Ponty.

2. Os textos inéditos (Husserliana XIII, XIV e XV) sobre a Intersubjetividade (conjunto de textos inéditos divididos em três períodos, 1905-1920; 1921-1928 e 1929-1935, editados por Isso Kern, publicados em 1973, em alemão. Tradução parcial para o francês, publicada em dois volumes, com a edição de Natalie Depraz, em 2001).

Natalie Depraz opta, para a edição francesa, por uma divisão temática e não cronológica dos textos. Os temas escolhidos para organizar o volumoso número de textos inéditos de Husserl sobre o a intersubjetividade São os seguintes: a) Primordialidade; b) Analogização; c) Redução Intersubjetiva; d) Antropologia; e) Individuação. Para nossos propósitos, interessa fundamentalmente o tema da analogização.

Husserl recusa a teoria do raciocínio por analogia proposta por Benno Erdman. Recusa uma teoria que parte da idéia que se meu eu está ligado a meu corpo e o corpo de outro é análogo ao meu, logo um eu também deve estar ligado a ele. Husserl diz que essa construção é um sofisma e só se sustenta se acrescentarmos a ela a noção de uma experiência que posso ter de mim mesmo e uma experiência que posso ter do outro. Mas, desde o início, preciso reconhecer que há uma razão para distinguir uma experiência da outra. A experiência de meu corpo, eu a tenho imediatamente e a experiência do outro, como um outro, eu não a tenho, a não ser a partir de uma experiência minha, portanto, através de uma mediação. (Husserl, 2001, v. 1, pp. 283-286)

Analogização

Vale lembrar que, ao final da Quinta Meditação Cartesiana, Husserl (1929/1969) afirmava que "É-me necessário inicialmente explicitar, enquanto tal, aquilo que me pertence como próprio, a fim de compreender que no ‘próprio’ o ‘não próprio’ adquire, ele também, o seu sentido existencial, nomeadamente por analogia." (p. 240). Em um texto inédito, de 1934, "Problema da Empatia", Husserl (2001, v. 1) retoma alguns dos argumentos da quinta meditação, acrescentando algo novo por meio das noções de carne (Leib/chair) e de expressão (Ausdruck):

Meus modos de aparição me são dados de forma original, os do outro me são dados pela expressão enquanto presentificação (via empatia), portanto não de forma original... (...) O mesmo vale, inversamente, para eles, relativamente a seu mundo exterior, no qual minha carne (Leib/ chair) funciona então enquanto expressão. No nosso ser – em –conjunto (Mit-sein), possuímos o mundo enquanto mundo de questões que nos são comuns (mundo exterior), no qual as carnes aparecem enquanto corpos que são capazes de funcionar como expressões. (pp. 379-380)

Nesse momento de sua reflexão, Husserl sugere que o mundo que posso conhecer, que é dotado de sentido, se dá a partir de minha consciência egóica, concebida enquanto consciência do mundo. É um mundo de carnes, entre elas a minha, aquela sobre a qual eu reino de forma original e as outras carnes que eu compreendo como carnes, por meio de sua expressividade e, a partir disso, como sendo carnes de outros sujeitos egóicos.

Scheler

Max Scheler (1971) considera o problema do conhecimento de um outro, inicialmente, a partir de uma constatação que Husserl não recusaria: "É necessário levar em conta que, como sabemos, existem outros egos individuais de natureza psíquica, exteriores a nós, mas que somos incapazes de apreender de uma forma adequada naquilo que constitui a sua essência. Isto é algo absolutamente evidente" (p. 353). Scheler, no entanto, toma como ponto de partida para suas investigações sobre a possibilidade do conhecimento do outro, a renúncia de que o fundamento deva ser o cogito, ou seja, de que a consciência deva ser, antes de tudo, consciência de si. Como afirma Merleau-Ponty (1988), "ele parte explicitamente da indiferenciação total entre eu e o outro" (p. 42). Ou ainda, "para Max Scheler, a consciência é inseparável de sua expressão (em conseqüência do conjunto cultural de seu meio) e não há diferença radical entre consciência de si e consciência do outro" (p. 43). Acima de tudo, com essa posição, Scheler procura escapar da principal solução postulada por Husserl para o problema do conhecimento da existência de um outro, ou seja, o raciocínio por analogia (ou por inferência analógica). Como vimos no item acima, essa posição, em Husserl, supõe que o reconhecimento perceptivo em um outro corpo de ações análogas às minhas, permite que eu conclua que, como em meu corpo, há um ego e uma consciência habitando esse outro corpo. Scheler (1971), criticará, também, a outra solução já proposta para o problema, aquela que explica o conhecimento de um outro por meio de fusões ou identificações afetivas (também chamadas de intropatias), a partir da percepção do corpo de um outro. Nesse caso, afirmo que reconheço a existência de um outro ego, já que posso experimentar identificações ou fusões afetivas com ele.

As razões para a recusa das duas soluções é bastante contundente. Quanto à solução por inferência analógica, Scheler argumenta que mesmo em animais e em bebês sem nenhuma capacidade de raciocínio analógico já é possível constatar o reconhecimento de outros (como, de resto, continuam confirmando estudos de Psicologia do Desenvolvimento, como os de Stern (1985)). E também, como lembra Figueiredo (1991),

um outro argumento contra a teoria do julgamento por analogia diz que não haveria uma base suficiente para qualquer inferência analógica já que inicialmente e a maior parte do tempo o que cada um percebe de si não coincide com o que percebe no outro. (p. 3)

Quanto à segunda teoria, Scheler (1971) a recusa por constatar que a identificação afetiva não se realiza com todos os outros e, para que fosse efetiva, deveríamos antes ser capazes de discriminar os corpos aptos para uma tal identificação ou fusão afetiva. Para Scheler, além disso,

para se ter a convicção da existência de um ego individual não temos necessidade de conhecer qualquer tipo de dado relativo a seu corpo. Basta-nos alguns sinais ou indícios de uma atividade espiritual (uma obra de arte, por exemplo) ou voluntária, para concluir, sem hesitação pela existência de egos individuais que deixaram seus vestígios ou imprimiram o selo de sua personalidade na realidade exterior. (p. 354)

Contra as duas teorias, Scheler ainda argumenta que a partir delas jamais teríamos de fato o conhecimento do outro em sua alteridade. O primeiro caso, da analogia, estabeleceria o outro a partir de minha imagem e semelhança, em um claro processo de projeção, como apontará também Merleau-Ponty (1960). No segundo caso, o outro me apareceria em função de sua semelhança (o que viabilizaria a identificação afetiva) comigo e não em função da diferença. Assim, nos dois casos, só posso reconhecer o outro por identidade e semelhança e não por distinção e diferença.

Como alternativa às duas teorias, Scheler (1971) propõe que a primeira coisa que percebemos de fato ao nosso redor são expressões. Um bebê é primeiramente sensível a expressões de corpos vivos ao seu redor, em uma experiência que precisaria ser reconhecida como pré-pessoal. Só mais tarde o bebê seria capaz de perceber objetos particulares não animados e, assim, distinguir sua experiência de si da experiência que pode ter de um outro. Nesse sentido, não seriam os corpos ou os egos que percebemos inicialmente, mas sim totalidades indivisas que, segundo Scheler, seriam captadas intuitivamente, em uma plena indistinção entre o que seria da esfera subjetiva e o que seria da esfera objetiva.

A contribuição essencial de Scheler é a noção de "expressão"; não há consciência atrás das manifestações, estas são inerentes à consciência, elas são a consciência. É em virtude de o outro estar presente inteiro nas suas manifestações que posso pô-lo; por sua própria existência e não por um raciocínio analógico. (p. 43)

Dessa forma, se para Scheler nós não podemos conhecer o outro por seu corpo ou sua consciência, poderemos conhecê-lo e reconhecê-lo através de suas expressões manifestas, que nos fazem um com ele, em um campo inaugural de indiferenciação primitiva. Mas, ainda segundo Merleau-Ponty (1960),

permanece um problema: para Husserl, o problema é passar da consciência de si à do outro. Nas concepções de Scheler, trata-se de compreender como a consciência de si e a do outro podem surgir sobre esse fundo de indiferenciação primitiva. (p. 42)

Merleau-Ponty

O tema da intersubjetividade e, até mesmo antes, a investigação de como o outro surge para mim, é foco de atenção do filósofo francês Merleau-Ponty desde o início de sua obra. Pode-se dizer, a partir de um olhar da história da filosofia contemporânea, que Merleau-Ponty situa-se como o grande autor da transição entre o questionamento epistemológico sobre o conhecimento do outro (resultado de uma longa tradição da filosofia moderna, a partir de Descartes) e a busca por uma ética da alteridade (aspecto central nas assim denominadas filosofias ‘pós-modernas’- conceito problemático e possivelmente insuficiente para agrupar diferentes autores como Levinas e Derrida). De fato, na obra de Merleau-Ponty podemos acompanhar o progressivo deslocamento do outro reduzido, do outro apenas como uma questão epistemológica, para o outro concreto, o outro pensado e apreendido em seu lugar de radical alteridade, tema central das discussões e formulações éticas contemporâneas (Johnson & Smith, 1990, p. 19). Mas vamos começar, acompanhando os principais passos da trajetória de Merleau-Ponty, no longo percurso que o leva da intersubjetividade à intercorporiedade.

1. Concepções Iniciais

Leitor apaixonado das obras de Husserl, Merleau-Ponty dedica seus anos iniciais de pesquisa (1933-1945) a temas centrais da psicologia (comportamento e percepção), procurando desenvolver uma rigorosa reflexão filosófica que pudesse situar as investigações psicológicas diante de seus próprios limites. Por exemplo, no livro A Estrutura do Comportamento (1942), considerando os limites do realismo (behaviorista e psicanalítico) na explicação dos comportamentos humanos, Merleau-Ponty (1942) afirma:

Assim não se sai do debate clássico entre "mentalistas" e "materialistas". A negação do realismo materialista não parece possível senão em proveito do realismo mentalista e inversamente. Não se vê que a partir do momento em que o comportamento é tomado "em sua unidade" e em seu sentido humano, não se trata mais de uma realidade material nem tampouco de uma realidade psíquica, mas de um conjunto significativo ou de uma estrutura que não pertence propriamente nem ao mundo exterior, nem à vida interior. É o realismo em geral que seria necessário por em questão. (p. 197)

Mas nem por isso, como veremos, ele buscará refúgio nas concepções idealistas.

Em Fenomenologia da Percepção (1945), suas formulações sobre o tema da intersubjetividade começam a ganhar corpo. Nesse livro, dedica um capítulo ao tema "Outrem e o mundo humano", em parte fundamentado nos estudos de Scheler sobre a recusa de um raciocínio de analogia para fundamentar a existência de um outro para mim. Apoiado em sua original teoria da percepção, Merleau-Ponty (1945) procura desvelar a presença e a existência do outro não mais a partir do cogito, mas ainda assim preso a uma certa noção de consciência, que mais para frente em sua obra ele abandonará definitivamente :

Quando me volto para minha percepção e passo da percepção direta ao pensamento dessa percepção, eu a re-efetuo, reencontro um pensamento mais velho do que eu trabalhando em meus órgãos de percepção e do qual eles são o rastro. É da mesma maneira que compreendo outrem. Aqui, novamente, só tenho o rastro de uma consciência que me escapa em sua atualidade e, quando meu olhar cruza com um outro olhar, eu re-efetuo a existência alheia em uma espécie de reflexão. (p. 404)

Ou ainda mais, em uma passagem que me parece de grande relevância para nossas discussões aqui e que, por isso, transcreverei integralmente. Trata-se de um trecho de uma conferência realizada por Merleau-Ponty (1996) ("O Primado da Percepção e suas conseqüências filosóficas"), proferida perante a Sociedade Francesa de Filosofia, na sessão de 23 de novembro de 1946:

Não saberei nunca como vocês vêem o vermelho, e vocês nunca saberão como eu o vejo, mas essa separação das consciências só é reconhecida depois do fracasso da comunicação, e nosso primeiro movimento é de acreditar num ser indiviso entre nós. Não é o caso de tratar essa comunicação primordial como uma ilusão - é o que o sensualismo faz - posto que mesmo ela se tornaria inexplicável. Não é o caso de fundá-la em nossa participação comum à mesma consciência intelectual, posto que seria suprimir a irrecusável pluralidade das consciências. É preciso, portanto, que pela percepção do outro eu me ache colocado em relação com um outro eu que esteja em princípio aberto às mesmas verdades que eu, em relação com o mesmo ser que eu. E essa percepção se realiza, e do fundo de minha subjetividade vejo aparecer uma outra subjetividade investida de direitos iguais, porque no meu campo perceptivo se esboça a conduta do outro, um comportamento que eu compreendo, a palavra do outro, um pensamento que eu abraço e de que aquele outro, nascido no meio de meus fenômenos, se apropria, tratando-o segundo as condutas típicas de que eu próprio tenho a experiência. Do mesmo modo que meu corpo, como sistema de minhas abordagens sobre o mundo, funda a unidade dos objetos que eu percebo, do mesmo modo o corpo do outro, como portador das condutas simbólicas e da conduta do verdadeiro, afasta-se da condição de um dos meus fenômenos, propõe-me a tarefa de uma verdadeira comunicação e confere a meus objetos a dimensão nova do ser intersubjetivo ou da objetividade. Tais são, rapidamente resumidos, os elementos de uma descrição do mundo percebido. (pp. 52-53)

Acho que é bom precisar que os sentidos dados, aqui, aos conceitos "intersubjetivo" e "objetivo" em muito se afastam da tradição filosófica que precede a fenomenologia da existência de Merleau-Ponty. O mundo percebido é o mundo das imbricações inevitáveis e originais entre corpos e coisas, corpos e outros corpos. Desse prisma, não é concebível uma assim chamada "realidade objetiva" que pudesse emergir como independente do sujeito, do mesmo modo que o sujeito (se ainda é possível pensar nestes termos) não tem como ser pensado como independente de outros (Barral, 1983, p. 158). E, assim, aparece também uma das concepções que Merleau-Ponty formulará de intersubjetividade, ou seja, uma experiência perceptiva comum, uma co-percepção.

Ao lado dessas posições com relação ao surgimento de um outro e da intersubjetividade, Merleau-Ponty (1945) explicita uma peculiar relação entre o mundo natural e o mundo humano:

Estou lançado em uma natureza, e a natureza não aparece somente fora de mim, nos objetos sem história, ela é visível no centro da subjetividade. (...) Assim como a natureza penetra até no centro de minha vida pessoal e entrelaça-se a ela, os comportamentos também alojam-se na natureza e depositam-se nela sob a forma de um mundo cultural. (...) Portanto, precisamos redescobrir, depois do mundo natural o mundo social, não como objeto ou soma de objetos, mas como campo permanente ou dimensão de existência: posso desviar-me dele, mas não deixar de estar situado em relação a ele. Nossa relação com o social é, assim como nossa relação com o mundo, mais profunda que qualquer percepção explícita ou qualquer julgamento. (pp. 398-399; 415)

Não dá para deixar de apontar o quanto, em passagens como essa, Merleau-Ponty faz-se tributário não apenas do "último" Husserl, o do Lebenswelt, mas também de Heidegger.

E, na conclusão do capítulo, ainda reencontramos Merleau-Ponty (1945) às voltas com as questões que também alimentaram a reflexão heideggeriana:

À fenomenologia entendida como descrição direta, deve acrescentar-se uma fenomenologia da fenomenologia. Devemos voltar ao cogito para procurar ali um Logos mais fundamental do que o do pensamento objetivo, que lhe dê seu direito relativo e, ao mesmo tempo, o coloque em seu lugar. No plano do ser, nunca se compreenderá que o sujeito seja ao mesmo tempo naturante e naturado, infinito e finito. Mas sob o sujeito nós reencontramos o tempo, e se ao paradoxo do tempo correlacionamos os do corpo, do mundo, da coisa e de outrem, compreenderemos que para além nada há a compreender. (p. 419)

2. Os Cursos na Sorbonne

No curso "A Consciência e a aquisição da Linguagem" (Merleau-Ponty, 1988), dado em 1949, na Sorbonne, um dos itens iniciais é dedicado ao problema do outro como formulado por Husserl e os itens seguintes procuram apresentar e discutir as posições de Scheler sobre o tema da existência do outro. Herdeiro da tradição fenomenológica estabelecida por Husserl, mas atento aos impasses de uma filosofia ainda presa às necessidades fundacionistas de uma filosofia da consciência, Merleau-Ponty dedica ao mesmo tema outros dois cursos, entre 1950 e 1952, na cadeira de Psicologia da criança e pedagogia, na Sorbonne. O primeiro, "As relações com o Outro na criança", com um longo estudo das contribuições psicanalíticas e o segundo, "A experiência do outro", mais voltado para um percurso do tema na história da filosofia e na Psicologia da Gestalt.

No curso "As relações com o Outro na Criança", Merleau-Ponty (1988) questiona: "Em que condições a criança entra em relação com o outro? Qual é a natureza dessa relação? Como ela se estabelece?" (p. 309) E responde: "A psicologia clássica só abordou esse problema com muitas dificuldades e confessou que lhe era impossível resolvê-lo" (p. 309). Diante desse estado das coisas, Merleau-Ponty (1988) propõe-se a restabelecer a descrição e formulação teórica das diferentes fases por que passam as relações da criança com o outro, recorrendo a Wallon, Freud, A. Freud, M. Klein, Köhler, Lagache, Lacan, Glover, Spitz, entre outros. Acaba por restringir-se a um minucioso levantamento do "estado da arte", na psicologia, na antropologia e na sociologia, sem propor formulações próprias de maior alcance. Conclui o curso, afirmando:

Portanto, ao insistir nas relações da criança com seus pais, nós não quisemos explicar através delas as outras relações com os outros e não reduzimos (rétréci -estreitamos) nosso assunto. As dificuldades das relações familiares correspondem imediatamente às dificuldades da criança com o meio no qual ela vive. (p. 396)

É bastante curioso acompanhar o olhar do filósofo dirigir-se, como ele faz nesse curso, para temas muito concretos, em nada especulativos, das dificuldades presentes nas relações entre a criança e um outro. Estão aqui apresentadas as origens de laços sociais, da agressividade, das patologias "emocionais" precoces, entre outros temas.

Já no curso dado no último ano de seu trabalho de docência na cadeira de Psicologia da criança e Pedagogia na Sorbonne, no ano letivo de 1951-52, "A Experiência de Outros", encontramos Merleau-Ponty (1988) às voltas com o questionamento mais propriamente filosófico. As duas primeiras frases da transcrição do curso: "Nosso problema já existe de forma manifesta há cem anos. Por quê? Não há problemas do outro para certas filosofias." (p. 539). A seguir, analisa como, logicamente, o problema do outro é descartado no empirismo absoluto e em concepções puramente reflexivas. Para logo depois afirmar que "nosso problema poderia ser considerado um espelho do problema do eu." (p. 540). E pouco mais à frente: "Trata-se, para nós, não de supor certas concepções do eu e do mundo e ver o que resulta a propósito do outro, mas de examinar como é preciso conceber o mundo para que o outro seja pensável." (p. 540). É à Psicologia da Gestalt que ele irá recorrer para investigar o tema de como percebemos uma outra pessoa. Merleau-Ponty aponta que a percepção de outra pessoa não é e não se faz da mesma maneira que a de objetos físicos e nem mesmo de uma pintura (que envolveria, de uma forma específica, a percepção e a ação humana, de um outro humano). Como demonstra a Psicologia da Gestalt, a percepção não é pura recepção de um conteúdo particular. Envolve a co-existência e apreensão de uma certa intenção de uma outra pessoa. A percepção de outras pessoas não seria, assim, uma construção intelectual, mas uma co-operação de fato, "como contato direto com o outro" (p. 547). Merleau-Ponty procura pensar, nesse curso, uma nova teoria da expressividade, a partir dos gestaltistas.

Em um certo momento critica, de forma provocativa, a psicologia e seus "métodos" para conhecer e revelar o outro:

...a leitura de uma expressão só é possível em referência à situação completa; o que é bem diferente de um poder místico qualquer (na moda atual da psicologia há algo desse gênero: um certo ocultismo. Supõe-se que, para conhecer o outro, basta fazer testes, ler um pequeno livro de grafologia e, para terminar, mergulhar na psicanálise, chave dos sonhos!). Não, a verdadeira psicanálise implica uma teoria bastante sábia a respeito do outro: perceber o outro é decifrar uma linguagem. (p. 553)

E, por fim, acaba defendendo uma certa noção de "estrutura", como solução para vários impasses colocados pela problemática da expressividade, da linguagem e da percepção do outro. Mas essa não será em sua obra uma solução muito duradoura.

3. Os cursos no Collège de France e o períodofinal de sua obra

O panorama de seu interesse começa a mudar a partir de sua eleição para a cadeira de filosofia no Collège de France, em 1952. Mas será só em seu ensaio de 1959, "O Filósofo e sua Sombra", que a transformação ficará evidente.

Um das marcas dessa mudança será a introdução do conceito de intercoporeidade.

No texto "O Filósofo e sua Sombra", publicado em Signes (1960) e considerado fundamental para se compreender a passagem entre as concepções desenvolvidas em a Fenomenologia da Percepção (1945)e em O Visível e o Invisível (publicado postumamente em 1964), Merleau-Ponty (1960) trata da percepção no contexto da intersubjetividade, da relação com o outro:

Se o outro deve existir para mim, é preciso que seja primeiro abaixo da ordem do pensamento. Nessa região o outro é possível porque a abertura perceptiva não pretende o monopólio do Ser e não institui a luta mortal das consciências. Meu mundo percebido, as coisas entreabertas diante de mim, em sua espessura, com que prover mais de um sujeito sensível com "estados de consciência", têm direito a mais testemunhas além de mim. (...) O homem pode fazer o alter- ego, cuja feitura é impossível para o pensamento, porque está fora-de-si no mundo e porque um ek- stase é co-possível com os outros. E esta possibilidade se cumpre na percepção como vinculum do ser bruto e de um corpo. Todo enigma da Einfühlung está em sua fase inicial "estesiológica", e se resolve aí mesmo porque é uma percepção. Aquele que "põe" o outro homem é sujeito percepiente, o corpo do outro é coisa percebida, o próprio outro é "posto" como "percepiente". Trata-se sempre de co- percepção. Vejo que aquele homem vê, como toco minha mão esquerda que está tocando minha mão direita. (pp. 214-215)

Ainda no texto "O Filósofo e sua Sombra", Merleau-Ponty (1960) formulará uma possibilidade radical de compreensão da relação entre eu e o outro, não mais através das tramas perceptivas de uma intersubjetividade, mas através da intercorporeidade:

Minha mão direita assistia ao surgimento do tato ativo em minha mão esquerda. Não é de maneira diversa que o corpo do outro se anima diante de mim quando aperto a mão de outro homem, ou quando o olho somente. Aprendendo que meu corpo é "coisa sentiente", que é excitável- ele e não somente minha "consciência"- preparei-me para compreender que há outros animalia e, possivelmente, outros homens. É preciso notar bem que nisto não há comparação, nem analogia, nem projeção ou introjeção. Se, apertando a mão de um outro homem, tenho a evidência de seu ser-aí, é porque ela se coloca no lugar de minha mão esquerda. No aperto de mãos, meu corpo anexa o corpo de outro numa "espécie de reflexão" cuja sede, paradoxalmente, é ele próprio. Minhas duas mãos são "co- presentes" ou "co- existem" porque são as mãos de um só corpo; o outro aparece por extensão desta co- presença. Ele e eu somos os órgãos de uma só intercorporeidade. (...) Percebo primeiro uma outra "sensibilidade" e somente a partir daí, um outro homem e um outro pensamento. (pp. 212-213)

Já em seu livro inacabado, O Visível e o Invisível (1964), as preocupações de Merleau-Ponty com uma radical transformação, ficam ainda mais evidentes. Nesse livro, define-se uma interrogação mais radical da origem das relações intersubjetivas, do contato do corpo com o mundo, e com o corpo de outros, na direção de experiências intercorpóreas. Afirmam-se as bases de sua ontologia do ser bruto, que toma a porosidade corpórea e a esfera da reversibilidade sensível como um solo primeiro. Um pouco antes, em um dos seus cursos no Collège de France, Merleau-Ponty (1968) insistia na necessidade de se abandonar o plano das exigências de uma filosofia da consciência, "...já que o sentir não é a possessão intelectual ‘daquilo’ que é sentido, mas sim despossessão de nós mesmos em seu proveito, abertura àquilo que em nós não temos necessidade de pensar para compreender" (p. 179).

Nesse momento de sua obra, Merleau-Ponty (1964) procura apresentar o corpo vivido, em sua dimensão porosa, como uma experiência reversível, de quase simultaneidade de ser sujeito e objeto de um ato sensível. Quase simultaneidade, porque

É tempo de sublinhar que se trata de uma reversibilidade sempre iminente e nunca realizada de fato. Minha mão esquerda está sempre em vias de tocar a direita no ato de tocar as coisas, mas nunca chego à coincidência; ... nada disso é fracasso, pois se tais experiências nunca se recobrem exatamente, se escapam no momento em que se encontram, se há entre elas "algo que se mexeu", uma "distância", é precisamente porque minhas duas mãos fazem parte do mesmo corpo, porque este se move no mundo ... Sinto quantas vezes quiser, a transição e metamorfose de uma das experiências na outra, tudo se passa como se a dobradiça entre elas, sólida e inabalável permanecesse irremediavelmente oculta para mim. (pp. 194-195)

Merleau-Ponty procura descrever um plano de experiências que é o da quase indiferenciação, como se no plano do sensível, da mais radical relação intercorpórea, as particularidades que geram as diferenças quase fossem abolidas e nós tivéssemos, então, que reconhecer que no princípio só há a unidade. Mas, como ele lembra, se não há coincidência absoluta, se não há simultaneidade total ou reversibilidade "instantânea", isso não deve ser entendido como um fracasso. A distância e, portanto, o nível das singularidades é próprio do corpo vivido em sua relação com o mundo e com outros corpos. Deve- se, no entanto, reconhecer as "dobradiças" que compõem esse plano de base, que não é mais, definitivamente, a situação dividida, separada, das dicotomias eu- outro, sujeito- objeto.

A noção de carne [chair], uma das noções privilegiadas por Merleau-Ponty (1964) em seu último livro, é de fundamental importância para que seja possível apreender a real dimensão de sua concepção de intercorporeidade:

... de sorte que o que vê e o que é visto se permutam reciprocamente (se reciproquent), e não mais se saiba quem vê e quem é visto. É a essa Visibilidade, a essa generalidade do Sensível em si, a esse anonimato inato do Eu - mesmo que há pouco chamávamos "carne", e sabemos não há nome na filosofia tradicional para designá-lo. (...) A "carne" não é matéria, não é espirito, não é substância. Seria preciso, para designá-la, o velho termo "elemento", no sentido em que era empregado para falar-se da água, do ar, da terra e do fogo, isto é, no sentido deuma coisa geral, a meio caminho entre o indivíduo espácio- temporal e a idéia, espécie de princípio encarnado que importa um estilo de ser em todos os lugares onde se encontra uma parcela sua. (pp. 183-l84)

Parece-me que essa noção de carne fornece a Merleau-Ponty o "estofo" comum para que seja possível falar em intercorporeidade. A noção de carne, melhor do que qualquer outra por sua radicalidade, traz em si a mútua constituição das polaridades em um campo existencial, que é aquele da permanente reversibilidade possível entre um corpo que toca outro corpo e é por ele tocado.

Merleau-Ponty não supõe um mundo onde distâncias não existem. Não há a defesa de uma pura indiferenciação que nos remeteria à concepção da grande unidade originária, na forma do uno primordial, de onde tudo nasce e para onde tudo volta. Se ver é tocar à distância, se busco com meu corpo tocar e ser tocado é porque a distância existe, a diferença é um fato. No entanto, o que pode tornar o ver e o tocar significativos e carregados de sentidos é a simultaneidade de diferenciação e indiferenciação, esta como presença do mesmo "elemento" (carne) no corpo e no mundo (Coelho Jr., 1997/1998). Merleau-Ponty (1964) sugere que "em vez de rivalizar com a espessura do mundo, a de meu corpo é, ao contrário, o único meio que possuo para chegar ao âmago das coisas, fazendo-me mundo e fazendo-as ‘carne’" (p. 178).

Noções como a de carne e de intercorporeidade exigem que Merleau-Ponty recuse, de forma mais decisiva, uma filosofia que privilegie as representações, na linha da tradição das filosofias da consciência, e busque, no campo das intensidades e das experiências expressivas, plano inaugural de nossas relações com o mundo e com os outros, os fundamentos para uma radical filosofia da alteridade.

Conclusão

Poderíamos concluir, relembrando que, de início, colocou-se para a filosofia moderna (assim como para a nascente psicologia) uma distância irreconciliável entre eu- outro, ou consciência - mundo (a partir da principal tradição da filosofia moderna, base para a ciência moderna, ao menos desde Descartes). Com isso, instalou-se a necessidade da postulação do "problema da intersubjetividade", ou seja, como estabelecer "pontes" entre os pólos, como estabelecer "comunicação" entre os pólos eu-outro, consciência-mundo. Desse contexto, emerge um problema epistemológico: como é possível conhecer o outro, uma outra consciência?

Como vimos, há uma primeira tentativa de superação da dualidade eu-outro, e também sujeito-objeto, por meio da concepção husserliana de uma consciência intencional. Parte-se do reconhecimento do "abismo" entre eu e outro, e busca-se a superação do solipsismo, mas, é preciso admitir, mantém-se a afirmativa (ao menos no primeiro Husserl) de que só posso conhecer o outro de forma mediada, ou seja, através de minha consciência, que já não é mais uma consciência em si, fechada em si mesmo, mas sim, uma consciência que é sempre consciência de algo, consciência aberta ao mundo, aos outros, consciência intencional. O Eu, e também a consciência, têm prevalência na tarefa de conhecimento, sobre o mundo, sobre outros eus.

Mas, ainda com Husserl e, principalmente, com Merleau-Ponty, emerge uma segunda possibilidade de solução para o problema epistemológico: conceber a intersubjetividade como sendo constituída a partir de experiências de compartilhamento da realidade, de buscas de "união", onde antes se reconhecia a separação. Aqui ganham relevo as noções de corpo vivido, percepção e co-construção da realidade, com um claro afastamento da tradição estabelecida pelas filosofias representacionais, ou filosofias da consciência.

É preciso destacar, por fim, os caminhos filosóficos que valorizam as modalidades pré-subjetivas de existência, a esfera inaugural, o plano da indiferenciação original. Aqui, já não se coloca o problema epistemológico de se é ou não possível conhecer um outro. A intersubjetividade é um falso problema. Situam-se, nesse nível, a concepção de um campo primordial da experiência de Scheler, a proposição da intercorporeidade apoiada na noção de carne em Merleau-Ponty, como também, o Dasein heideggeriano, o qual não tivemos ocasião de apresentar, mas que é preciso mencionar nesse contexto. Nesse plano de investigação da experiência primordial, de modalidades pré-subjetivas de existência, não parece caber a noção de intersubjetividade, claramente tributária de uma tradição filosófica que parte da primazia do sujeito, do sujeito soberano da razão, marca central das filosofias modernas. Talvez nem mesmo a noção merleau-pontiana de intercorporeidade expresse, em toda sua radicalidade, as experiências vividas como pré-subjetivas, ou transubjetivas. De qualquer forma, gostaria de insistir que venho defendendo a noção de intercorporeidade (Figueiredo & Coelho Jr., 2000), justamente por entender que ela nos remete à valorização de um plano existencial que não pode ser tematizado a partir da primazia das filosofias do sujeito e das representações e exige um inevitável encontro com a radical alteridade do outro.

Para finalizar, gostaria de acrescentar que entendo que as posições de Husserl, Scheler e Merleau-Ponty sobre o problema da intersubjetividade não dão conta, evidentemente, da ampla gama de questões que suas próprias obras suscitam. Mas, não resta dúvida, que seus pensamentos sobre o tema têm o mérito de demarcar um território a ser pensado e que, até então, não havia sido formulado com tanta clareza. Foi esse território que busquei explicitar, esperando que, com isso, possa vir a contribuir para o aprofundamento dos estudos psicológicos da alteridade.

Recebido em 20.05.2002

Aceito em 01.02.2003

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  • 1
    Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia. Av. Prof. Mello Moraes, 1721, São Paulo - SP 05508-900. Endereço eletrônico:
  • 2
    Ver, a esse respeito, Apprey e Stein (1993), Figueiredo (1994), Frayze-Pereira (1994), Ogden (1994) e Valsiner (1998).
  • 3
    Ver, a esse respeito, Braten (1998).
  • 4
    Ver, a esse respeito, Jolivet (1975, p. 128).
  • 5
    Recebem o nome de Husserliana, os volumes de publicações das Obras Completas de Husserl, editados por Walter Biemel, em Louvain, Bélgica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2002
    • Aceito
      01 Fev 2003
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