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Avaliação das disfunções craniomandibulares em pacientes parcialmente edentados unilaterais: um estudo longitudinal sobre o efeito da utilização de Prótese Parcial Removível (PPR)

Craniomandibular disorders (CMD) in unilateral edentulous subjects: a longitudinal evaluation after treatment with removable partial dentures (RPD)

Resumos

O objetivo deste estudo foi comparar a severidade dos sinais e sintomas das desordens craniomandibulares em 29 pacientes edentados parciais unilaterais, submetidos a tratamento protético corretivo, acompanhados e avaliados longitudinalmente, por meio de investigação clínica, dois anos após a instalação da prótese parcial removível. Em cada um dos casos, a comparação das diferenças clínicas, antes e após os procedimentos de reconstrução protética, baseou-se na mensuração e registro das variáveis por meio da utilização de uma metodologia de testes de escores. As observações clínicas objetivas e subjetivas consistiram no exame da sensibilidade dolorosa muscular e da ATM, na auscultação dos ruídos articulares e no registro dos movimentos mandibulares (MM). Vinte e nove outros pacientes, totalmente dentados, atuaram como grupo controle. Após análise estatística não-paramétrica, conclui-se que os pacientes apresentavam uma prevalência significativamente maior na severidade das desordens craniomandibulares antes do tratamento protético e que o tratamento corretivo por meio da instalação de prótese parcial removível (PPR) bem indicada e planejada, atuou positivamente na diminuição da severidade destes distúrbios nesses pacientes.

Articulação temporomandibular; Disfunção miofascial; Prótese removível


This study was performed to compare the severity of Craniomandibular Disorder's (CMD), signs and symptoms in 29 subjects with shortened dental arches (SDA), who required prosthodontic treatment and were followed and longitudinally evaluated for two years after the removable partial denture (RPDs) treatment. In each case, to measure and compare differences before and after reconstruction procedures, the degree of severity of CMD was checked on a score basis methodology, following clinical history, muscular and temporomandibular joint (TMJ) sensibility examination, clicking and mandibular movements (MM) registration. Twenty-nine other subjects acted as a control group. After non parametric statistical analysis it was concluded that subjects had a significant higher CMD severity prevalence before RPD treatment and that an adequate indication and treatment with RPD acts positively, resulting in a decline in the prevalence of these disorders.

Temporomandibular dysfunction; Craniomandibular disorder; Removable partial dentures; Facial dysfunction


Prótese

Avaliação das disfunções craniomandibulares em pacientes parcialmente edentados unilaterais - um estudo longitudinal sobre o efeito da utilização de Prótese Parcial Removível (PPR)* * Trabalho realizado com apoio da FAPESP. ** Professor Associado e *** Professor Doutor do Departamento de Prótese - Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - USP.

Craniomandibular disorders (CMD) in unilateral edentulous subjects: a longitudinal evaluation after treatment with removable partial dentures (RPD)

Carlos GIL** * Trabalho realizado com apoio da FAPESP. ** Professor Associado e *** Professor Doutor do Departamento de Prótese - Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - USP.

Atlas Edson Moleros NAKAMAE*** * Trabalho realizado com apoio da FAPESP. ** Professor Associado e *** Professor Doutor do Departamento de Prótese - Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - USP.

GIL, C.; NAKAMAE, A. E. M. Avaliação das disfunções craniomandibulares em pacientes parcialmente edentados unilaterais - um estudo longitudinal sobre o efeito da utilização de prótese parcial removível (PPR). Rev Odontol Univ São Paulo, v. 13, n. 3, p. 275-282, jul./set. 1999.

O objetivo deste estudo foi comparar a severidade dos sinais e sintomas das desordens craniomandibulares em 29 pacientes edentados parciais unilaterais, submetidos a tratamento protético corretivo, acompanhados e avaliados longitudinalmente, por meio de investigação clínica, dois anos após a instalação da prótese parcial removível. Em cada um dos casos, a comparação das diferenças clínicas, antes e após os procedimentos de reconstrução protética, baseou-se na mensuração e registro das variáveis por meio da utilização de uma metodologia de testes de escores. As observações clínicas objetivas e subjetivas consistiram no exame da sensibilidade dolorosa muscular e da ATM, na auscultação dos ruídos articulares e no registro dos movimentos mandibulares (MM). Vinte e nove outros pacientes, totalmente dentados, atuaram como grupo controle. Após análise estatística não-paramétrica, conclui-se que os pacientes apresentavam uma prevalência significativamente maior na severidade das desordens craniomandibulares antes do tratamento protético e que o tratamento corretivo por meio da instalação de prótese parcial removível (PPR) bem indicada e planejada, atuou positivamente na diminuição da severidade destes distúrbios nesses pacientes.

UNITERMOS: Articulação temporomandibular; Disfunção miofascial; Prótese removível.

INTRODUÇÃO

O papel dos sinais e sintomas clínicos nas síndromes dolorosas das desordens craniomandibulares (DCM) e a perda de dentes posteriores de um dos lados de um mesmo arco (classe II de Kennedy) têm sido investigados através de estudos clínicos6,20,26 epidemiológicos14,17,18 e histopatológicos15,16, sugerindo uma correlação entre a perda unilateral desses elementos e alterações fisiopatológicas e funcionais tanto musculares quanto da ATM propriamente dita. Esses sinais e sintomas poderão também estar associados a microtraumas crônicos (frendor e bruxismo), maloclusão, exodontias traumáticas, ortodontia mal-orientada, ocorrência de fatores parafuncionais3,10,deslocamento condilar anterior28 ou posterior27. O edentulismo parcial é, portanto, freqüentemente relacionado à destruição oclusal, que poderá resultar em desequilíbrio, interferência e alterações funcionais da oclusão, em relação ao estado original desses pacientes2,23. Tais alterações poderão, com o passar do tempo, causar as chamadas disfunções craniomandibulares, embora a etiologia dessas desordens permaneça controversa24.

Ante esta assertiva, parece não haver dúvida do efeito negativo que a ausência unilateral de dentes poderia ocasionar aos pacientes, no âmbito das alterações craniomandibulares. O tratamento protético, particularmente nestas condições, por meio da prótese parcial removível (PPR), poderia atuar como um fator positivo na minimização destas alterações, uma vez que, de maneira geral, é o método de escolha para a reabilitação da função oclusal, especialmente quando não há suporte adequado para prótese parcial fixa ou então quando formas mais caras de tratamento são obstadas por razões econômicas2,9,30.

Como a grande maioria dos autores baseou-se em investigações transversais (cross-sectional) e os estudos longitudinais são escassos19,22,29, acreditamos que investigações longitudinais adquirem grande importância pelo fato de poderem dar informações acerca de flutuações e do desenvolvimento a longo prazo de sinais e sintomas das desordens craniomandibulares (DCM). Este tipo de investigação prospectiva ajuda a alargar de maneira importante os horizontes ainda relativamente restritos dos diferentes fatores etiológicos.

Dentro deste contexto, o presente estudo tem por objetivo analisar comparativa e objetivamente, numa investigação clínica longitudinal de dois anos, o comportamento da prótese parcial removível em relação à severidade das disfunções dolorosas miofasciais e da ATM em pacientes edentados unilateralmente (classe II de Kennedy) submetidos a tratamento protético corretivo.

MATERIAL E MÉTODOS

Casuística

A população estudada (n = 58) é constituída de 44 mulheres e 14 homens, todos adultos e sintomáticos (18 a 61 anos), examinados e diagnosticados por um único investigador antes e após o tratamento protético, com um intervalo mínimo de dois anos entre os procedimentos. Os pacientes selecionados foram divididos em dois diferentes grupos, cada um com 29 indivíduos, assim caracterizados:

ae) Pacientes com ausência unilateral de dentes posteriores inferiores (classe II de Kennedy), incluindo molares e premolares, por um período mínimo de cinco anos e presença de todos os dentes no arco antagonista (superior), não tratados com PPR e numerados de 1 a 29.

ap) Todos os pacientes correspondentes ao grupo anterior (ae), reavaliados clinicamente após terem sido submetidos a tratamento corretivo por meio de preparo de boca, confecção e instalação das respectivas PPRs, transcorridos vinte e quatro meses de sua colocação e uso contínuo, e comparados estatisticamente com os dados anteriores ao tratamento protético.

b) Pacientes com a presença de todos os dentes em ambos os lados do arco e com queixa prévia de dores miofasciais ou da articulação temporomandibular. Estes pacientes foram incluídos a fim de possibilitar a comparação com as situações ae e ap, e numerados de 30 a 58.

Para efeito de análise dos dados e documentação dos casos foram estabelecidas as seguintes rotinas:

a) Identificação do paciente.

b) Exame clínico, para a obtenção do índice de disfunção (ID) através da observação de sinais visuais e sintomas dos movimentos funcionais da mandíbula (MM), auscultação de ruídos da ATM (AT) e palpação da sensibilidade dolorosa na região da ATM12,13 e para a obtenção do Índice de Palpação (IP), abrangendo por palpação a análise dos sintomas de sensibilidade dos músculos extra-orais (ME), intra-orais (MI) e cervicais (MC)12.

A técnica utilizada para a auscultação dos ruídos articulares foi a proposta por FRICTON; SCHIFFMAN8 (1986), com algumas modificações12,13, e cuja finalidade é detectar ruídos na ATM com bastante precisão. Foi utilizado um estetoscópio convencional com uma peça simples de peito e sem diafragma.

Para o exame de palpação da cápsula da ATM e dos músculos, a técnica utilizada foi a proposta por SOLBERG et al.26 (1979), FRICTON; SCHIFFMAN7 (1987) e GIL12 (1995).

c) Executamos nos pacientes edentados parciais o preparo de boca para receber as respectivas próteses parciais removíveis, as quais, uma vez fundidas e prontas, foram em seguida instaladas para posterior avaliação nas mesmas condições do item b.

As respostas e observações foram avaliadas e quantificadas numericamente por meio da utilização de um sistema de escores específico, representado pelo Índice Craniomandibular (ICM), proposto originalmente por FRICTON; SCHIFFMAN7,8 com algumas modificações10,11, cujos critérios de viabilidade foram confirmados por uma correlação positiva entre o ICM e o Índice de Disfunção de Helkimo17, e que têm sido consagrados pelo uso clínico e epidemiológico, repetidamente citados na literatura por inúmeros autores como muito efetivos na determinação da gravidade dos sinais e sintomas objetivos das dores miofasciais e disfunção da articulação temporomandibular14,21,26.

O conjunto de procedimentos que reflete alterações de funcionamento na mandíbula e articulação é denominado índice de disfunção (ID) enquanto aquele que indicam a sensibilidade muscular é o chamado de índice de palpação (IP). O ICM representa a média entre o ID e o IP. Para cada resposta positiva do paciente, foi atribuído valor 1. A cada resposta negativa o valor foi 0.

O (ID) corresponde à soma total de respostas positivas no que se refere a movimentos mandibulares, ruídos articulares e sensibilidade relacionada à cápsula da articulação temporomandibular divididos pelo número total de eventos12,13, portanto:

onde

MM = Movimentos mandibulares

SA = Sons articulares

AT = Palpação da cápsula da ATM

O Índice de Palpação (IP) corresponde à soma total de respostas positivas obtidas através do exame de palpação dos músculos intra e extra-orais e do pescoço12, dividido pelo número de eventos.

onde

ME = Músculos extra-orais

MI = Músculos intra-orais

MC = Músculos Cervicais

O Índice Craniomandibular (ICM) constitui-seportanto na soma dos índices de disfunção (ID) e de palpação (IP) divididos por dois.

A pontuação do Índice Craniomandibular (ICM) e suas subescalas consideradas encontram-se no Quadro 1.


Método estatístico para análise dos resultados

Para a análise dos resultados, são utilizados testes não-paramétricos, em função da natureza das distribuições dos valores das variáveis estudadas ou da variabilidade dessas medidas. Serão aplicados os seguintes testes:

  1. Análise de variância por postos de Kruskal-Wallis, para comparar os grupos em relação aos valores das variáveis não-paramétricas consideradas.

  2. Teste não-paramétrico de Mann-Whitney, para análise de variância entre duas amostras independentes (não-pareadas), comparando cada grupo (tipo de arco) entre si.

Para todos os testes é fixada em 0,05 ou 5% (p < 0,05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade e em 95% o grau de confiança, assinalando-se com um esterisco (*) os valores significantes, e com dois asteriscos (**) os muito significantes e através das siglas qs para os valores quase significantes e ns para os valores não-significantes.

RESULTADOS

Nas tabelas abaixo (1 a 6) podem ser observados os resultados deste estudo.

Seria interessante observar que, pela metodologia proposta, os resultados das Tabelas 1, 2 e 3 refletem-se claramente na Tabela 5.

A Tabela 4 mostrou que houve uma diferença quase significativa entre os grupos estudados, em relação ao Indice de Palpação (IP) do arco (KW = 5.734, p > 0,05).

Na Tabela 5, constata-se que a variação da severidade das alterações específicas em nível de articulação temporomandibular, expressa por meio do ID, é bastante significativa entre os grupos estudados. A análise de variância não-paramétrica, por postos de Kruskal-Wallis, mostrou que para {ae x b x ap}, KW = 12.803 e p < 0,01 (0,0017), considerado portanto muito significante, e ap e b < ae.

O Indice Craniomandibular (ICM) constitui-se na medida da severidade global das Desordens Craniomandibulares, refletindo portanto a média entre o Indice de Disfunção (ID) e o Indice de Palpação (IP). A análise de variância por postos de Kruskal-Wallis, para dados não-paramétricos (Tabela 6), mostrou que houve diferenças muito significativas entre os grupos analisados no que se refere à severidade global do arco, portanto na análise de ae x b x ap, KW = 21.889, p < 0,01 (0,001). No Teste de Comparações Múltiplas, a severidade global dos pacientes edentados unilateralmente (classe II de Kennedy) não portadores de PPR foi significativamente maior que os demais grupos.

DISCUSSÃO

A natureza multifatorial das dores bucais e faciais, dada a multiplicidade de dados, que incluem variáveis clínicas e psicológicas16,24,25, faz com que a determinação de seu diagnóstico diferencial dependa da habilidade do clínico em coletá-las e analisá-las, havendo divergências entre diversos autores em relação à efetividade dos resultados obtidos com a instalação de próteses parciais removíveis e sua ação na minimização dos sinais e sintomas das desordens craniomandibulares (DCMs)2,23,30. Neste sentido, o Índice de Disfunção (ID), que reflete a média dos escores das subescalas (MM, SA e AT), mostra a importância da abordagem desta multiplicidade de fatores para caracterizar qualquer tipo de DCM. Esta assertiva torna-se mais clara ao observar-se a Tabela 5, que mostra os resultados comparativos obtidos para o ID entre os grupos estudados, e que reflete os achados constantes das Tabelas 1, 2 e 3. A variabilidade da severidade das alterações específicas, em nível de articulação temporomandibular entre os grupos ae, b e ap, foi bastante significante (KW = 12.803 e p < 0,01). Observando ainda a Tabela 5, e comparando as situações analisadas, verifica-se que a severidade das alterações mostrou-se bastante elevada para os pacientes parcialmente edentados (ae) antes do tratamento reabilitador por meio da PPR, indicando que, embora a instalação da prótese parcial removível não tenha resolvido o problema de forma absoluta, principalmente para pacientes com disfunção crônica, atuou diminuindo significativamente a severidade dos sinais e sintomas disfuncionais, aproximando-a dos escores apresentados pelos pacientes com todos os dentes (b), uma vez que os dados estatísticos demonstraram não terem sido encontradas diferenças significativas entre este grupo controle (b), e os grupos tratados com PPR (ap), para os quais p > 0,05. Podemos observar ainda que nem todos os resultados são exatamente coincidentes na comparação entre os grupos, assim, na Tabela 1, que mostra os escores dos movimentos mandibulares (MM), e na Tabela 3, que reflete os escores das dores na cápsula da ATM (AT), houve diferenças de significância estatística entre os grupos ae e ap ao nível de 5% , mostrando que, antes e após o tratamento dos pacientes por meio da reabilitação com PPR, estes fatores, embora interferissem, o fizeram de forma menos significativa na severidade do ID do que os escores para ruídos articulares (SA), Tabela 2, onde ae versus ap (antes e após o tratamento) foi extremamente significante (nível de 1% e, portanto, p < 0,01), mostrando que os resultados do tratamento em relação a ruídos articulares foi bastante positivo, corroborando estudos anteriores1,12. O fato que podemos inferir, finalmente, neste aspecto, é o de que para todos os parâmetros comparados até aqui (MM, SA, AT e ID) não foi encontrada qualquer diferença significante entre os grupos ap, resultado final do tratamento com PPR, e b, dentados totais, indicando uma ação positiva das PPRs na diminuição do grau de severidade das alterações craniomandibulares. Estas observações indicam que a mensuração do índice de disfunção (ID) pode ser um bom indicativo do grau de gravidade das alterações específicas da ATM, permitindo estabelecer parâmetros para a análise de eventuais sucessos ou fracassos durante ou após diferentes tratamentos das disfunções da ATM. Estas observações nos pareceram lógicas, considerando a interação entre as diferentes partes funcionais do sistema mastigatório e vêm ao encontro daquelas encontradas por outros autores7,8,21,22,29.

O índice de palpação (IP) inclui os itens que refletem a sensibilidade dolorosa dos músculos de palpação externa (ME), palpação interna (MI) e dos músculos cervicais (MC) e representa a soma total de respostas positivas de 36 procedimentos e, quando utilizado isoladamente, é uma boa medida para diagnósticos específicos da hiperatividade muscular. As teorias atuais relacionadas à dor muscular são associadas, em grande parte, ao conceito de síndrome da disfunção dolorosa miofascial (MPDS), proposta por LASKIN20 em (1969). As bases teóricas que procuram explicar hiperatividade muscular baseiam-se em estudos desenvolvidos em três diferentes áreas: a) indução de dor, semelhante à da disfunção dolorosa miofascial em pacientes assintomáticos, através de contração muscular sustentada4,5; b) estudos eletromiográficos (EMG) que constataram elevada atividade dos músculos mastigatórios em pacientes com queixa de dores faciais ou desconforto muscular19; e c) estudos de indução de stress, em situações experimentais, monitorizando as modificações fisiológicas de eventuais dores faciais da amostragem6,20,21. De qualquer forma, a sensibilidade difusa ou a presença de hipersensibilidade nos músculos da mastigação são indicativos de atividade muscular anormal e de eventual inflamação muscular ou de tecidos faciais.

A Tabela 4 mostra que houve diferença quase significante entre os três grupos estudados com relação ao IP (p = 0,0563). A explicação para este fato parece relacionar-se com um fenômeno que provavelmente acorre no interior dos músculos de cada hemiarco. Na avaliação bilateral, a somação dos espasmos nos músculos elevadores sofre uma ação compensatória, podendo haver uma diminuição proporcional dos escores de sensibilidade de um dos hemiarcos em detrimento do aumento da dor do hemiarco contralateral. Nossa pesquisa, em particular, permitiu concluir que, uma vez ocorrida a perda unilateral dos dentes posteriores, os músculos elevadores do lado da dentição intacta funcionam na sua extensão normal, enquanto os do lado edentado sofrem uma hipercontração com um aumento da pressão interna residual, devida à provável maior quantidade de fluido intersticial em função da permeabilidade capilar, aspectos corroborados por inúmeros outros trabalhos4,5,6,19.

Os dados referentes ao índice craniomandibular (ICM) encontram-se na Tabela 6 e representam a média entre o IP e o ID (Tabelas 4 e 5, respectivamente). O ICM permite acompanhar os resultados dos tratamentos programados, caracterizando sua maior ou menor severidade. Quando analisado conjuntamente com o ID e IP, torna possível estabelecer a diferenciação no diagnóstico entre a disfunção dolorosa miofascial e a disfunção dolorosa da ATM.

Os resultados da comparação do índice craniomandibular (ICM) entre os pacientes do grupo ae, edentados parciais ainda não tratados e ap, os mesmos pacientes após o tratamento protético corretivo, e os do grupo controle b mostraram diferenças significantes no que diz respeito à severidade dos sinais e sintomas das desordens craniomandibulares (p < 0,01) e na verdade refletem os resultados obtidos em relação às subescalas e escalas do ICM (Tabelas 1, 2 e 3). Estes achados corroboram a constatação de inúmeros autores de que a possível reposição dos elementos perdidos, por meio da instalação de uma PPR, poderia levar a uma redução significativa da severidade desses distúrbios1,22,23,30, numa concordância ampla com os resultados por nós obtidos. Um possível fator impeditivo do agravamento da severidade poderia estar relacionado com a extensão da perda posterior de dentes (espaço protético), pois a eventual permanência de segundos pré-molares ou a reposição dos elementos faltantes poderiam atuar como fatores que proveriam uma estabilidade mandibular relativamente suficiente, evitando com isto o eventual aparecimento de sintomas de disfunção ou a diminuição da severidade desses distúrbios craniomandibulares, aspecto este confirmado, em parte, pelo caráter longitudinal deste trabalho. Esta última constatação deste estudo vem a propósito da observaçâo de que alguns autores, embora tenham encontrado dados que não estabelecem uma correlação nítida entre ausência de dentes posteriores e conseqüentes desordens craniomandibulares23,30, advertem que estes estudos deveriam ser confirmados através de trabalhos com amostragens longitudinais para eventual confirmação ou não dos resultados obtidos. Neste sentido, os resultados parecem demonstrar claramente que a reposição dos dentes posteriores ausentes por meio de uma PPR tem comportamento semelhante àqueles com a presença de dentes naturais, sugerindo que a ação terapêutica obtida pela instalação da prótese diminuiu a incidência de ruídos e da sensibilidade dolorosa da ATM, levando-os possivelmente a níveis existentes antes da perda dos dentes posteriores. Nossos dados reforçaram o conceito da importância de um diagnóstico preciso, precedido de um exame clínico minucioso, que abranja o maior número possível de fatores, no sentido da prevenção e tratamento das desordens craniomandibulares (DCM). O correto emprego da prótese parcial removível, como elemento reparador, poderá, a nosso ver, diminuir significativamente a incidência e prevalência das disfunções miofasciais e da ATM em pacientes edentados unilaterais, correspondentes à classe II de Kennedy.

CONCLUSÕES

  1. Os resultados permitiram constatar que a instalação de PPR em pacientes edentados unilaterais diminuiu a prevalência dos sinais e sintomas disfuncionais de desordens craniomandibulares;

  2. O exame clínico minucioso, o correto planejamento e a indicação adequada da PPR são fatores fundamentais na obtenção do sucesso no tratamento.

GIL, C.; NAKAMAE, A. E. M. Craniomandibular disorders (cmd) in unilateral edentulous subjects: a longitudinal evaluation after treatment with removable partial dentures (rpd). Rev Odontol Univ São Paulo, v. 13, n. 3, p. 275-282, jul./set. 1999.

This study was performed to compare the severity of Craniomandibular Disorder's (CMD), signs and symptoms in 29 subjects with shortened dental arches (SDA), who required prosthodontic treatment and were followed and longitudinally evaluated for two years after the removable partial denture (RPDs) treatment. In each case, to measure and compare differences before and after reconstruction procedures, the degree of severity of CMD was checked on a score basis methodology, following clinical history, muscular and temporomandibular joint (TMJ) sensibility examination, clicking and mandibular movements (MM) registration. Twenty-nine other subjects acted as a control group. After non parametric statistical analysis it was concluded that subjects had a significant higher CMD severity prevalence before RPD treatment and that an adequate indication and treatment with RPD acts positively, resulting in a decline in the prevalence of these disorders.

UNITERMS: Temporomandibular dysfunction; Craniomandibular disorder; Removable partial dentures; Facial dysfunction.

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Recebido para publicação em 07/04/99

Enviado para reformulação em 13/05/99

Aceito para publicação em 25/08/99

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  • *
    Trabalho realizado com apoio da FAPESP.
    **
    Professor Associado e
    ***
    Professor Doutor do Departamento de Prótese - Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 1999
    • Data do Fascículo
      Jul 1999

    Histórico

    • Revisado
      13 Maio 1999
    • Recebido
      07 Abr 1999
    • Aceito
      25 Ago 1999
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