Acessibilidade / Reportar erro

A ação dos ácidos graxos de cadeia curta na cicatrização de anastomoses colônicas: estudo experimental em ratos

The influence of short-chain fatty acids on colonic healing: experimetal study in rats

Resumos

Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) derivam da fermentação das fibras ingeridas na dieta e atuam como substrato das células da mucosa colônica. O presente estudo tem como objetivo avaliar a ação dos AGCC na cicatrização do cólon. Utilizaram-se 16 ratos fêmea divididos em 2 grupos de 8 animais. No grupo controle (HC) os animais foram submetidos à cirurgia de Hartmann e infusão pós-operatória de solução salina isotônica via retal por 7 dias. No grupo experimento (HA) a solução salina foi substituída por solução isosmolar contendo AGCC. Nos animais do grupo controle, a pressão média de ruptura do segmento distal do cólon foi de 128,37 mmHg, sendo este valor de 137,25 mmHg no grupo experimento (p=0,5693). A avaliação histológica em hematoxilina-eosina foi semelhante nos dois grupos estudados. A densitometria do colágeno demonstrou concentração significativamente maior de colágeno maduro (tipo I) no grupo experimento, quando comparado com o grupo controle (p=0,0094). O colágeno total também foi mais encontrado no grupo experimento, comparado-se com o grupo controle (p=0,0371). Conclui-se que os ratos submetidos à infusão intraluminal de AGCC têm maior concentração de colágeno maduro e total na linha de sutura do coto retal, quando comparados com o grupo controle.

Cicatrização de feridas; Cólon; Ácidos graxos de cadeia curta


Short-chain fatty acids (SCFA) derive from the fermentation of fibbers ingested in the diet and act as a cell substrate of the colonic mucosa. The object aim of the present study was to evaluate the action of SCFA in colonic wound healing .Sixteen female rats were used, divided into 2 groups of 8 animals each. In the control group (HC) the animals underwent Hartmann procedure and post-operative infusion of isotonic saline solution per rectum for 7 days. In the experimental group (HA) saline solution was replaced by isomolar solution with SCFA. In the animals of the control group, the average bursting pressure of the rectal stump was 128.37 mm Hg, and 137.25 mm Hg in the experimental group (p=0.5693). Histologic evaluation with hematoxicilin and eosin was similar in both groups studied. The collagen densitometry analysis showed a significantly greater concentration of the mature collagen (type I) in the experimental group when compared with the control group (p=0.0094). Greater concentration of total collagen was found in the experimental group when compared to the control group (p=0.0371). It was concluded that rats who underwent intraluminal infusion of SCFA have greater concentration of mature and total collagen in the suture line of the rectal stump, when compared with to the control group.

Colon; Wound healing; Short-chain fatty acids


A AÇÃO DOS ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA CURTA NA CICATRIZAÇÃO DE ANASTOMOSES COLÔNICAS

ESTUDO EXPERIMENTAL EM RATOS1 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR.

Fernando Hintz Greca2 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR. , Maria de Lourdes Pessole Biondo-Simões3 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR. , Luiz Martins Collaço4 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR. , Vanessa Dello Monaco Martins5 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR. , André Ricardo Dall´Oglio Tolazzi5 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR. , Emerson Leandro Gasparetto5 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR. , Eduardo Antônio Andrade dos Santos6 1 . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) 2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM. 4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR 5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR. 6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR.

Greca FH, Biondo-Simões MLP, Collaço LM, Martins VDM, Tolazzi ARD, Gasparetto EL, Andrade dos Santos EA. A ação dos ácidos graxos de cadeia curta na cicatrização de anastomoses colônicas: estudo experimental em ratos. Acta Cir Bras 2000; 15(supl. 3): 12-16.

RESUMO: Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) derivam da fermentação das fibras ingeridas na dieta e atuam como substrato das células da mucosa colônica. O presente estudo tem como objetivo avaliar a ação dos AGCC na cicatrização do cólon. Utilizaram-se 16 ratos fêmea divididos em 2 grupos de 8 animais. No grupo controle (HC) os animais foram submetidos à cirurgia de Hartmann e infusão pós-operatória de solução salina isotônica via retal por 7 dias. No grupo experimento (HA) a solução salina foi substituída por solução isosmolar contendo AGCC. Nos animais do grupo controle, a pressão média de ruptura do segmento distal do cólon foi de 128,37 mmHg, sendo este valor de 137,25 mmHg no grupo experimento (p=0,5693). A avaliação histológica em hematoxilina-eosina foi semelhante nos dois grupos estudados. A densitometria do colágeno demonstrou concentração significativamente maior de colágeno maduro (tipo I) no grupo experimento, quando comparado com o grupo controle (p=0,0094). O colágeno total também foi mais encontrado no grupo experimento, comparado-se com o grupo controle (p=0,0371). Conclui-se que os ratos submetidos à infusão intraluminal de AGCC têm maior concentração de colágeno maduro e total na linha de sutura do coto retal, quando comparados com o grupo controle.

DESCRITORES: Cicatrização de feridas. Cólon. Ácidos graxos de cadeia curta.

Greca FH, Biondo-Simões MLP, Collaço LM, Martins VDM, Tolazzi Gasparetto EL, Andrade dos Santos EA. The influence of short-chain fatty acids on colonic healing experimetal study in rats. Acta Cir Bras 2000; 15 (supl. 3): 12-16.

SUMMARY: Short-chain fatty acids (SCFA) derive from the fermentation of fibbers ingested in the diet and act as a cell substrate of the colonic mucosa. The object aim of the present study was to evaluate the action of SCFA in colonic wound healing .Sixteen female rats were used, divided into 2 groups of 8 animals each. In the control group (HC) the animals underwent Hartmann procedure and post-operative infusion of isotonic saline solution per rectum for 7 days. In the experimental group (HA) saline solution was replaced by isomolar solution with SCFA. In the animals of the control group, the average bursting pressure of the rectal stump was 128.37 mm Hg, and 137.25 mm Hg in the experimental group (p=0.5693). Histologic evaluation with hematoxicilin and eosin was similar in both groups studied. The collagen densitometry analysis showed a significantly greater concentration of the mature collagen (type I) in the experimental group when compared with the control group (p=0.0094). Greater concentration of total collagen was found in the experimental group when compared to the control group (p=0.0371). It was concluded that rats who underwent intraluminal infusion of SCFA have greater concentration of mature and total collagen in the suture line of the rectal stump, when compared with to the control group.

SUBJECT HEADINGS: Colon. Wound healing. Short-chain fatty acids.

INTRODUÇÃO

Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) são substâncias produzidas à partir da ação de bactérias do cólon num processo de fermentação anaeróbia de fibras ingeridas na dieta. Essas substâncias demonstraram uma importante ação sobre a manutenção do trofismo da parede do cólon, comprovada com a demonstração, em ratos, de que 4 semanas após a interrupção da passagem do trânsito intestinal, ocorre uma atrofia não apenas da mucosa, mas de toda sua parede6,7. Esse tipo de situação é freqüentemente observado na prática médica quando se realiza a cirurgia de Hartmann, na qual o segmento distal do cólon permanece sem contato com o conteúdo intestinal, sua fonte natural de substrato.

A cirurgia de Hartmann é muitas vezes realizada com a intenção de desviar o trânsito intestinal temporariamente, em situações de emergência, com posterior reconstrução do trânsito. O momento para se realizar o fechamento da colostomia, entretanto, é bastante controverso em virtude das diversas complicações observadas11. Keck e col. (1994) observaram maiores dificuldades operatórias, com maior densidade de aderências e maior risco de lesão do intestino delgado nos casos em que o trânsito intestinal foi reconstituído em até 15 semanas após a cirurgia inicial5. Por outro lado, Pearce e col. (1992), observaram maiores índices de deiscência da reanastomose quando esse intervalo foi maior do que 6 meses, período suficiente para que ocorresse atrofia da parede do cólon desfuncionalizado12.

Para se evitar, ou mesmo reverter essa atrofia, tem sido descrita a utilização dos ácidos graxos de cadeia curta na manutenção da função da mucosa colônica. O butirato, um dos principais AGCC, apresenta-se como fonte de energia primária para os colonócitos13 e estimula a proliferação celular do epitélio colônico16. Rolandelli e col. (1986) demostraram que a infusão intracolônica de AGCC facilita o processo cicatricial das anastomoses colônicas nos ratos. Mecanismos possíveis que possam mediar esse efeito incluem um aumento da proliferação celular da mucosa colônia, acelerando a reepitelização e o aumento do fluxo sangüíneo com conseqüente aumento da oferta de oxigênio e aceleração da maturação do colágeno14.

Atualmente tem se utilizado a infusão de AGCC até mesmo em humanos na tentativa de se evitar a atrofia da mucosa após a realização da cirurgia de hartmann. observou-se que naqueles que receberam o AGCC houve um aumento da atividade proliferativa da mucosa retal quando comparado ao grupo controle10.

A partir desses dados encontrados na literatura o presente estudo tem como objetivo avaliar a interferência dos ácidos graxos de cadeia curta no processo de cicatrização colônica e fibroplasia.

MÉTODO

Para a realização deste estudo foram utilizados 16 ratos, fêmeas da linhagem Wistar-TECPAR, com peso entre 180 e 200 gramas, provenientes do Instituto de Tecnologia do Paraná, os quais permaneceram confinados, com livre acesso à água e à ração padronizada. Os 16 animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos de 8 ratos da seguinte maneira:

• Grupo experimento (HA) em que os animais foram submetidos à cirurgia de Hartmann e infusões retais de solução de butirato de sódio (AGCC) no pós-operatório;

• Grupo controle (HC) em que os animais também foram submetidos à cirurgia de Hartmann e infusões retais no pós-operatório, todavia, de solução salina isotônica.

Todos as ratas foram submetidas à jejum pré-operatório de 12 horas. Realizou-se limpeza intestinal imediatamente antes do procedimento cirúrgico, através da colocação dos animais em cuba contendo água e gelo durante 5 minutos que desencadeava reflexo de defecação. Tanto a indução quanto a manutenção anestésica foram realizadas com éter dietílico por via inalatória. Em condições de antissepsia, realizou-se laparotomia mediana de aproximadamente 4cm e secção do cólon descendente a 5cm da borda anal.

A cirurgia de Hartmann foi então realizada com o fechamento do coto intestinal distal e exteriorização do coto proximal em forma de uma colostomia terminal. O coto distal foi fechado com sutura contínua e a colostomia confeccionada com de 6 pontos simples localizada 1,5 cm acima do pubis e 1,0 cm à direita em relação à linha abdominal mediana. Utilizou-se o fio de nylon 6.0 em ambas as suturas.

Os animais do grupo controle receberam infusões retais de solução salina isotônica a 0,9% através de seringa descartável conectada à sonda introduzida via retal até próximo à região da sutura no coto intestinal distal. Infundiu-se a solução duas vezes ao dia, às 7:00 e 19:00h, em volume variando entre 0,5 e 1 ml até que houvesse extravasamento. Da mesma forma os animais do grupo experimento receberam infusões retais com a mesma metodologia, porém, de solução isosmolar de butirato de sódio.

Todos as ratas foram submetidas a eutanasia no 7º dia de pós-operatório, com dose letal de éter sulfúrico inalatório sendo retirada a porção desfuncionalizada do intestino, a qual foi submetida ao teste de pressão de ruptura à insuflação. Esse segmento do intestino distal foi ligado com fio de algodão 2.0 a uma fonte de ar comprimido com fluxo de 0,5 litro por minuto, acoplado a um manômetro com válvula anti-refluxo. Durante a mensuração da pressão de ruptura, a amostra permaneceu imersa em solução salina isotônica a 0,9%.

Em seguida as peças foram fixadas em formalina à 10% para posterior análise histológica. Cortes histológicos com 4 mm de espessura foram corados pelas técnicas de hematoxilina-eosina (HE) e Sírius-red. No estudo histológico dos cortes coradois com HE avaliou-se o grau de epitelização, tipo, intensidade e célula predominante na reação inflamatória, presença de neovascularização, tecido de granulação, abscesso e necrose mural.

Nos cortes histológicos corados pelo Sírius-red avaliou-se a presença de colágeno, sua maturidade e o grau de ordenação de suas fibras utilizando-se microscopia óptica com fonte de luz polarizada. As fibras colágenas mais espessas e fortemente birrefringentes apresentam coloração vermelho-alaranjada (colágeno I) e as fibras mais finas e dispersas, fracamente birrefringentes, apresentam coloração esverdeada (colágeno III)10. As imagens foarm captadas por uma câmera Sony®CCD 101, transmitidas a um monitor colorido Trinitron Sony® congeladas e digitalizadas através de placa oculus TCX®. Finalmente, realizou-se a análise das imagens através do aplicativo Optimas® 6.2 para "Windows" em microcomputador da linha Pentium. A calibração do sistema baseou-se na densidade óptica dos pontos de resolução (pixels) que formam as imagens, selecionando-se o valor limite de melhor resolução (threshold). Quatro campos com ampliação de 400x foram escolhidos para cada lâmina, localizados ao redor do orifício mais íntegro deixado pelo fio de sutura. No sistema RGB (Red, Green, Blue), considerou-se valores para preto (fundo), para tons de vermelho (colágeno I) e para tons de verde (colágeno III). Nos 4 campos analisados em cada lâmina foi calculado o percentual de área ocupado pelas fibras avermelhadas (colágeno I) e esverdeadas (colágeno III). O valor de colágeno total correspondeu à soma dos valores das áreas vermelhas e verdes.

Os resultados foram analisados estatisticamente utilizando-se o teste T de Student estabelecendo-se p ­ 0,05 como nível para rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS

Não ocorreu óbito de nenhum animal antes do dia estipulado para a avaliação. No inventário da cavidade abdominal, todos as anastomoses de ambos os grupos apresentavam aderência de omento à linha de sutura.

No grupo controle (HC) o valor médio de ruptura à pressão de insuflação foi 128,37 mmHg, não havendo diferença estatisticamente significativa (p=0,5693) quando comparado ao grupo estudo (HA) no qual a média foi de 137,25 mmHg (Tabela 1). É importante ressaltar, entretanto, que em todos os animais analisados, tanto do grupo controle quanto do grupo estudo, a ruptura à pressão de insuflação ocorreu fora da linha de sutura.

Os parâmetros histológicos analisados pela coloração de hematoxilina-eosina demonstraram semelhança nos dois grupos, conforme ilustrado nas Tabelas 2 e 3.

A densitometria do colágeno monstrou maior área ocupada por colágeno maduro, tipo I, no grupo que recebeu o ácido graxo de cadeia curta com média de 18,85%. A diferença foi estatisticamente significante (p=0,0094) quando comparado com o grupo controle que recebeu apenas solução fisiológica, cuja média foi de 9,41%. O mesmo foi verificado em relação ao colágeno total, obtido pela soma dos colágenos tipo I e III. Foi observado, em média, 36,87% das áreas analisadas preenchidas por colágeno no grupo HA sendo que no grupo controle este valor foi de 28,1% (p=0,0371). Esses dados estão ilustrados no Gráfico 1.


DISCUSSÃO

A realização da cirurgia de Hartmann resulta em fechamento do reto que permanece privado de sua fonte natural de AGCC, uma vez que estas substâncias são sintetizadas por bactérias do cólon a partir da fermentação anaeróbia das fibras ingeridas na dieta. Atualmente os dados da literatura vêm mostrando que o conteúdo intestinal interfere tanto no trofismo da mucosa quanto no metabolismo do colágeno1,2. Esse efeito estaria relacionado a um maior teor de fibras do conteúdo intestinal levando a maior quantidade de AGCC produzido. Dessa forma, em situações de ausência de trânsito intestinal, tem sido descrita a suplementação de AGCC tanto por aplicação local direta, via retal, quanto por via endovenosa15, na tentativa de minimizar os efeitos atróficos normalmente observados.

Sabe-se que após um período de quatro semanas de desfuncionalidade do cólon, em ratos, ocorre uma atrofia transmural incluindo uma diminuição do conteúdo de colágeno e da resistência mecânica do tecido6,7. A utilização de AGCC nesses tecidos sem função, apesar de preservar a área de superfície da mucosa, não demonstrou ser capaz de alterar o conteúdo de colágeno nem tampouco melhorar a resistência mecânica do tecido8. Em outras palavras, os AGCC não se mostraram eficazes no aumento da resistência mecânica da parede atrófica do cólon. No presente estudo, os AGCC também não demonstraram efeito sobre a resistência da parede íntegra do cólon, uma vez que, em todos os cólons submetidos à pressão de insuflação, a ruptura ocorreu fora da linha da sutura, ou seja, em tecido íntegro, e não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos controle e experimento.

Rolandelli e col.(1986) demostraram que a infusão intracolônica de AGCC facilita o processo cicatricial de tecidos lesados, melhorando a resistência de anastomoses colônicas em ratos. Mecanismos possíveis que possam mediar esse efeito incluem um aumento da proliferação celular da mucosa colônia, acelerando a reepitelização e um aumento do fluxo sangüíneo com conseqüente incremento da oferta de oxigênio e aceleração da maturação do colágeno14.

Kissmeyer-Nielsen e col (1995) concluíram que enemas de AGCC apresentam efeito trófico transmural e preservam o epitélio de revestimento do colón desfuncionalizado em ratos8. Os mesmos autores realizaram estudo em pacientes submetidos à cirurgia de Hartmann e concluíram que ememas diários de AGCC têm efeito trófico na mucosa retal humana9.

Friedel e Levine (1992) mantiveram ratos em nutrição parenteral total recebendo infusões de AGCC no cólon proximal e observaram aumento de massa e DNA da mucosa, mas não houve diferença na sua função absortiva3.

Apesar desses efeitos tróficos sobre o epitélio descritos na literatura, a análise histológica do presente estudo mostrou apenas um grau de epitelização, neovascularização e formação de tecido de granulação um pouco mais intensos no grupo que recebeu AGCC. A diferença encontrada, entretanto, foi discreta e para comprovarmos tal achado talvez fosse necessário aumentar a amostra.

Kissmeyer-Nielsen e col. (1995) determinaram ainda o conteúdo de hidroxiprolina de um segmento do cólon sem função após enemas com AGCC por 7 e 14 dias e observaram que não houve diferença em relação ao grupo controle8. Não observaram aumento no conteúdo de colágeno nem tampouco uma maior resistência mecânica. Rolandelli e col. (1997)em seu estudo avaliando a ação do AGCC quando aplicado via endovenosa e também não encontraram diferença no conteúdo de hidroxiprolina, mas observaram resistência mecânica maior no grupo que recebeu AGCC em comparação com o grupo controle15.

A técnica de avaliação do colágeno utilizada no presente estudo foi diferente daquela descrita na literatura, buscando-se identificar não apenas a quantidade de colágeno mas principalmente seu grau de maturação. Uma vez que a maturação do colágeno depende da oxigenação dos tecidos, a qual depende da neovascularização induzida por fatores produzidos pelo epitélio. Neste estudo, observou-se maior porcentagem de área ocupada por fibras colágenas maduras no grupo que recebeu AGCC, além de uma porcentagem maior de colágeno total, obtido pela somatória do colágeno maduro e imaturo.

Conclui-se que nos ratos em que foi realizada infusão intraluminal de AGCC há maior concentração de colágeno maduro e total na linha de sutura do coto retal, quando comparados com o grupo controle. Apesar disso, não foi possível demonstrar, pelo teste de pressão de ruptura à insuflação, diferença na resistência da parede do cólon nos dois grupos no 7.º dia pós-operatório. De uma forma geral, observou-se que apesar de existir maior quantidade de colágeno na linha de sutura, não se pode concluir a respeito da sua resistência, uma vez que em todos os cólons a ruptura ocorreu fora região de sutura. A relação entre a presença de maior quantidade de colágeno e a resistência talvez pudesse ser melhor avaliada em períodos mais precoces da cicatrização, antes que ocorresse uma fibroplasia tão intensa a ponto de tornar a sutura mais resistente que a parede do cólon, onde ocorreu a ruptura.

NOTAS

  • 1. Blomquist P, Ahonen J, Jiborn H, Zederfeldt B. The effect of relative bowel rest and healing of colonic anastomoses. Collagen synthesis and content in the colonic wall after left colon resection and anastomosis in the rat. Acta Chir Scand 1984; 150:677-81.
  • 2. Blomquist P, Jiborn H, Zederfeldt B. The effect of relative bowel rest and healing of colonic anastomoses. Breaking strength and collagen in the colonic wall following left colon resection and anastomosis in the rat. Acta Chir Scand 1984; 150:671-5.
  • 3. Friedel D, Levine GM. Effect of short-chain fatty acids on colonic function and structure. JPEN J Parenter Enteral Nutr 1992; 16(1)1-4.
  • 4. Junqueira LCU, Cossermelli W, Brentani RR. Differencial staing of collagen type I, II and III by sirius red and polarization microscopy. Arch Histol Jpn 1978; 41:267-74.
  • 5. Keck JO, Collopy BT, Ryan PJ, Fink R, Mackay JR, Woods RJ. Reversal of Hartmann's procedure: effect of timing and technique on ease and safety. Dis Colon Rectum 1994; 37(3):243-8.
  • 6. Kissmeyer-Nielsen P, Christensen H, Laurberg S. Decrease in the collagenous proteins and mechanical strength of distal colon after diverting colostomy in rats. Int J Colorectal Dis 1993; 8:120-4.
  • 7. Kissmeyer-Nielsen P, Christensen H, Laurberg S. Diverting colostomy induces mucosal and muscular atrophy in the rat distal colon. Gut 1994; 35:1275-81.
  • 8. Kissmeyer-Nielsen P, Mortensen FV, Laurberg S, Hessov I. Transmural trophic effect of short chain fatty acid infusions on atrophic, defunctined rat colon. Dis Colon Rectum 1995; 38(9):946-51.
  • 9. Mortensen FV, Hessov I, Birke H, Korsgaard N, Nielsen H. Microcirculatory and trophic effects of short chain fatty acids in the human rectum after Hartmann's procedure. Br J Surg, 1991; 78:1208-11.
  • 10. Mortensen FV, Langkilde NC, Joergensen JC, Hessov I. Short-chain fatty acids stimulate mucosal cell proliferation in the closed human rectum after Hartmann's procedure. Int J Colorectal Dis 1999; 14(3):150-4.
  • 11. Mosdell DM, Doderneck RC. Morbidity and mortality of ostomy closure. Am J Surg 1991; 162(6):633-6.
  • 12. Pearce NW, Scott S, Karan SJ. Timing and method of reversal of Hartmannn´s procedure. Br J Surg 1992; 79:839-41.
  • 13. Reodiger, WEW. Utilization of nutrients by isolated epithelial cells of the rat colon. Gatroenterology 1981; 83:424-9.
  • 14. Rolandelli RH, Koruda MJ, Settle RG, Rombeau JL. Effects of intraluminal infusion of short-chain fatty acids on the healing of colonic anastomosis in the rat. Surgery 1986; 100(2):198-204.
  • 15. Rolandelli RH, Buckmire MA, Bernstein KA. Intravenous butyrate and healing of colonic anastomoses in the rat. Dis Colon Rectum 1997; 40(1):67-70.
  • 16. Sakata T, Von Englehardt W. Stimulatory effect of short chain fatty acids on the epithelial cell proliferation in rat large intestine. Comp Biochem. Physiol 1983; 74:459-62.
  • 1
    . Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
    2. Professor Adjunto de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professor Titular da PUCPR, Doutor em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM.
    3. Professora Coordenadora de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR e Professora Adjunta da PUCPR, Doutora em Cirurgia Experimental pela UNIFESP-EPM.
    4. Professor de Anatomia Patológica da UFPR
    5. Monitores de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da UFPR.
    6. Monitor de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da PUCPR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      2000
    Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa em Cirurgia https://actacirbras.com.br/ - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actacirbras@gmail.com