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Perguntas - Rio de Janeiro

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1. Perguntas ao Vivo 18/11/96

1. Por que o senhor parou de usar o termo sintaxe?

Bem, eu não parei propriamente de usar o termo sintaxe. Algumas vezes evito empregá-lo porque é um termo ambíguo. Costumava ter diversas significações distintas. No sentido mais técnico, aquele que tem nas ciências formais, como a matemática, a sintaxe tem a ver com as propriedades das expressões simbólicas e como elas se relacionam umas com as outras. Isto é sintaxe. Nesse uso, toda a fonologia é sintaxe. Em minha opinião praticamente tudo que se denomina semântica é sintaxe. Tem a ver com alguma coisa que está se passando dentro da sua cabeça. Com representações internas que são objetos simbólicos e como interagem e assim por diante. Você tem a fonética propriamente dita quando você passa a olhar o que está do lado de fora da cabeça. Por exemplo, as pessoas que trabalham com análise da fala ou produção de fala no departamento de engenharia. Elas trabalham com o que acontece entre a cabeça e o ar, com o que acontece aí fora. E as pessoas que estivessem trabalhando com a verdadeira semântica estariam falando da relação entre o que está na cabeça e o que está lá fora no mundo, as coisas sobre as quais as pessoas falam. Quase ninguém trabalha sobre isso. É um problema muito difícil. Aquilo com que as pessoas trabalham é a relação entre o que está dentro da cabeça e a maneira como é interpretado. Então, quando os semanticistas falam de livros, eles não estão falando sobre os objetos físicos, mas sobre essas estranhas coisas que possuem a propriedade pela qual você e eu podemos retirar o mesmo livro da biblioteca, mesmo se tratando de objetos diferentes. Mas isto é algo imposto pela mente, então eles estão realmente estudando o que está na cabeça. Este é o sentido técnico de sintaxe. Também é empregado num sentido mais restrito, que exclui todo o sistema de sons, o componente fonológico, e algumas vezes é empregado de outras formas. Mas é somente devido à sua ambigüidade que eu às vezes tento evitá-lo.

2. A respeito do léxico, quais aspectos estão relacionados aos traços descritivos e quais aspectos têm relação com traços explanatórios?

Esta distinção na verdade não pode ser feita para traços. Traços são somente coisas. Realmente, como oclusão labial ou referência a artefato. Estas são as coisas elementares a partir das quais a linguagem é constituída. Você pode pensar nelas como partículas elementares na física. Lá estão, e você deseja saber como funcionam, como interagem umas com as outras. Você deseja fazer isso quer seja o seu propósito a descrição quer seja a explicação. Estas não são categorias nitidamente distintas, ou seja, qualquer tipo de descrição é alguma forma de explicação. Por exemplo: se alguém que gosta de flores fala de como elas se agrupam, de forma que esta daqui se parece com aquela dali, e são da mesma cor, e por aí vai, o que se chama história natural. Isto é um tipo de explicação, porque qualquer tipo de organização dada aos fenômenos é colocar estrutura neles. Por outro lado, é uma explicação muito superficial. Você chega a uma explicação mais profunda se, digamos, a biologia molecular chegar algum dia ao ponto - ainda hoje longínquo - suponhamos que algum dia ela chegue ao ponto em que possa dar conta do fato de que esta flor tem uma determinada cor ou um certo tipo de caule ou algo assim. Isto constituiria uma explicação mais profunda, de forma que você poderia querer captar isso em termos de química ou em termos de teorias de partículas elementares. Explicações podem ir mais a fundo sempre. Mas no estudo da linguagem existe um emprego técnico, e este é o que eu mencionei. Adequação descritiva é a propriedade que tem uma teoria da linguagem. Por exemplo, se alguém escreve uma gramática do português nós diremos que ela é descritivamente adequada na medida em que ela apresenta os fatos corretamente. Adequação explanatória é propriedade de teorias da linguagem, não de teorias de uma língua particular. Assim, uma teoria geral da linguagem, o que às vezes chamamos de gramática universal, satisfaz a condição de adequação explanatória na medida em que possa fornecer automaticamente uma gramática do português, diante das evidências disponíveis a uma criança de três anos numa comunidade lingüística que fale português. Se a teoria é capaz de realizar esta transição, tomando os dados disponíveis para a criança, computando-os e transformando-os numa gramática do português descritivamente adequada, então ela satisfaz a condição de adequação explanatória. A idéia é que os princípios da teoria, dentro das condições limitantes, estariam explicando as propriedades do português depreendidas com a base de dados de português oferecidos à criança. De certa maneira, é como se fosse um modelo da aquisição de língua. A criança ouve os dados, a mente sai computando, e o resultado é conhecimento de português, a gramática descritivamente adequada. Mas cada traço entra tanto na descrição como na explicação. Há apenas modos diversos de encarar o emprego dos traços. Assim, não podemos de fato distinguir entre os traços, os que são descritivos dos que são explanatórios. Simplesmente, eles não se dividem desta maneira.

3. O trabalho descritivo sobre a sintaxe tem alguma utilidade para lançar luz sobre o que é uma explicação? Nesse caso, o modelo assim chamado modelo GB é ainda o melhor para propósitos descritivos?

Bom, apenas a propósito da terminologia, o que se denomina modelo GB é exatamente aquilo a que me referi como modelo princípios e parâmetros. Andei brigando por quinze anos, sem sucesso, para fazer com que as pessoas parassem de chamá-lo de modelo GB. GB representa as palavras Government and Binding, e tem o nome GB porque teve origem em uma série de seminários e discussões que eu dei em Pisa, de onde saiu um livro intitulado Lectures on Government and Binding, de onde veio a falar-se em teoria Government and Binding, teoria GB. Mas isto foi só porque a maior parte da discussão tinha a ver com esses dois assuntos. Poderia do mesmo modo ter recebido o nome de teoria do caso e teoria temática, foi somente uma questão acidental, e não significa nada. Apenas, acho que é um termo inadequado, mas todo o mundo está usando, então acho que esta batalha está perdida. Mas é igualmente bom chamá-lo de modelo de princípios e parâmetros. E na minha visão atual, a regência nem sequer existe. E a ligação não é interna à língua como assumi naquela época, mas sim um sistema interpretativo.

A seguir vem a segunda pergunta, o trabalho descritivo em sintaxe é útil para lançar luz sobre explicação? Bem, é inevitável. Você não pode explicar fenômenos a menos que tenha alguma descrição dos fenômenos. Assim, por exemplo, se você é um químico teórico, alguém tem que lhe mostrar quais são os dados. Não é como a matemática, onde você como que constrói o sistema todo. Existe alguma coisa que está lá fora. E você tem que imaginar como funciona. As ciências experimentais tratam de dar alguns dados sobre como funciona. Ora, as ciências experimentais não estão separadas das ciências teóricas. Assim, um físico experimental sabe o que procurar, porque existe alguma questão levantada na ciência teórica. Assim, por exemplo, aquele foguete para Marte que falhou levava lá dentro alguns mecanismos de experimentação que iam fazer determinadas perguntas que haviam sido colocadas pelos teoricistas. E o mesmo deveria dar-se aqui Se a lingüística avançar bastante isto se tornará óbvio. As pessoas que estão fazendo trabalho descritivo estão mais no lado experimental deste empreendimento conjunto, e as pessoas que estão sentadas às suas mesas tentando imaginar como podem ser explicadas estas coisas impossíveis estão no lado mais teórico do empreendimento. Perguntar se o trabalho descritivo seria útil para a explicação seria como perguntar se experimentos são úteis para a teoria em física. Bom, eles são centrais. Você não vai adiante sem eles. Quanto à questão de qual é o melhor modelo para fins descritivos, isto é um pouco como perguntar quais os melhores métodos experimentais em química ou em biologia. E isto será como será, quer dizer, em ciência experimental é difícil ter sentimentos. Você precisa usar os mecanismos que estiverem disponíveis, você se orienta pelas questões que parecem importantes, e não há resposta para a pergunta de qual seja o melhor método experimental. De fato, esta é uma decisão criativa. E a mesma coisa é verdadeira quando se faz trabalho descritivo sério sobre uma língua. Se você tomar o português ou uma das línguas indígenas do Brasil você pode interessar-se em estudá-la por muitas razões diferentes. Talvez o seu interesse seja preservar a língua porque os seus falantes estão morrendo. OK, isto é muito importante. Possivelmente o seu interesse seja ajudar a tornar a cultura da comunidade disponível para as pessoas que vivem nela. Tarefa importantíssima do ponto de vista humano. Se o seu interesse é tentar contribuir para a teoria geral da linguagem você provavelmente colocaria outras perguntas e faria um outro tipo de trabalho. Mas não há resposta sobre qual seja a maneira certa de fazer isto. Há muitas maneiras corretas, dependendo de qual a questão sobre a qual você está trabalhando.

4. Se a morfologia tem os seus próprios primitivos, que aparentemente não são motivados pelo sistema articulatório-perceptual, em que medida a morfologia é um sub-componente do componente fonológico em vez de ser um nível sintático de representação?

Bem, estes são presentemente tópicos de pesquisa muito vivos, e as pessoas com muita razão discordam sobre o que crêem que sejam as respostas. Estas são questões que estão sendo investigadas. Mas quando falamos de morfologia há uma distinção que precisa ser feita. Tome o latim e o chinês e pense nos seus sistemas morfológicos. Em latim, você tem uma expressão para os casos. Você tem caso nominativo, genitivo, acusativo e por aí vai. E você tem flexão no verbo, de forma que os verbos são marcados quanto ao número, pessoa e gênero, e os nomes se repartem em diferentes declinações. Estas coisas todas você aprende na escola. Esta é a expressão da morfologia em latim. Suponha que você esteja estudando chinês. Bem, a expressão da morfologia é zero. A morfologia nunca é expressa. Assim, o caso nunca é marcado, e nenhuma dessas distinções recebe qualquer marca. Se você faz pura morfologia descritiva superficial você quer ouvir quais são os sons. As duas línguas são aparentemente completamente diferentes. Uma das conclusões bastante interessantes que foram alcançadas nos últimos quinze anos - que foi sugerida inicialmente numa carta famosa que jamais foi publicada, escrita por Jean Roger Vergnaud - é que seria possível explicar uma quantidade de fenômenos que estávamos tentando cobrir se assumíssemos que o inglês tem sistema de casos como o latim, com a diferença de não ser pronunciado. Ou seja, a mente o escuta, mas os ouvidos não. É como se tudo estivesse acontecendo, mas apenas não ocorre que haja expressão saindo da boca. Porque há muitas conseqüências do que são os casos. Se algo é nominativo ou acusativo, isso tem toda sorte de efeitos, e se uma palavra está numa posição em que não pode ter caso todo tipo de coisa acontece, como não fazer sentido ou coisa assim. Perseguindo essa idéia, como muita gente começou a fazer, pareceu evidente que os sistemas de casos, mesmo os mais ricos que o do latim, são provavelmente universais. Ou seja, provavelmente a mente os escuta sempre. Só que alguns saem para fora da boca de maneiras diferentes em línguas diferentes. Em chinês, num dos extremos, eles não saem de nenhuma forma. Em sânscrito ou finlandês, no outro extremo, eles saem de forma abundante. Se você examinar um grupo maior de línguas, por exemplo as línguas aborígenes da Nova Guiné, você vê sistemas muito complexos que fazem o sânscrito ou o latim parecerem muito simples. Mas provavelmente tudo isto é basicamente a mesma coisa. Está apenas saindo para fora pela boca de maneiras diferentes.

Retornando à pergunta, é a morfologia parte do sistema articulatório-perceptual ou parte da sintaxe, bem, é realmente ambas as coisas. Depende da parte da morfologia para a qual você está olhando. Se você está olhando para a parte da morfologia que a mente está ouvindo sempre e que está envolvida na computação, aí é parte do sistema sintático num sentido estreito. Se por vezes ela se relaciona com o sistema articulatório-perceptual, aí há variação entre as línguas. Ou seja, elas lhe dão expressão de maneiras diferentes. E de fato parece que o que ocorre é que uma boa parte do que aparenta ser a variação entre línguas é uma conseqüência do modo de dar expressão à morfologia. Quando as coisas recebem pronúncia há muitos efeitos no modo de funcionamento dos fenômenos sintáticos. A bem dizer, isto foi notado há centenas de anos, no início do século dezessete. As pessoas se deram conta de que as línguas que apresentam mais flexões explícitas, como por exemplo o latim, onde você pronuncia muitas dessas coisas, diferem de línguas com menos flexões, como por exemplo o inglês, pelo fato de terem ordem de palavras muito mais livre. Assim, a ordem das palavras em latim é muito mais livre do que a do inglês. Em inglês ela é bastante rígida, em chinês é muito rígida, em latim é bastante livre. O espanhol e o português ficam mais ou menos a meio caminho. Foi notado que existe uma relação entre riqueza flexional e liberdade de ordem das palavras. É intuitivamente óbvio porque as coisas são assim. Os casos pronunciados expressam relações. Por isso, mesmo se as palavras não estão próximas umas das outras você pode saber que elas estão relacionadas por causa das marcas que você vê na flexão. Quando você toma línguas que não têm flexões você pede isso. Há línguas, por exemplo algumas das línguas indígenas da América do Norte - o Navajo é um exemplo bem estudado - onde parece que toda a sintaxe envolve apenas traços, traços flexionais que algumas vezes são expressos como flexões, e os nomes ficam todos do lado de fora, de modo que você como que faz toda a computação somente com traços bastante abstratos, como número, tempo, caso e assim por diante, e em seguida os nomes que ficam na parte de fora, cuja parte pronunciada é suficientemente rica, de forma que você pode saber qual nome vai com qual traço na parte interna. Esta é uma modalidade extrema de variação. Mas a morfologia está se mostrando um assunto muito interessante por causa de coisas como estas e também por causa das coisas que mencionei antes: que parece ser o caso, e se for verdadeiro será uma descoberta muito interessante, que os traços morfológicos semanticamente não interpretados estão lá somente para implementar a propriedade do deslocamento que é necessária por outras razões. Se isto vier a confirmar-se verdadeiro, será bem interessante.

5. A gramática gerativa tomou alguma contribuição das pesquisas de Piaget com relação à linguagem? Como o senhor vê hoje a posição de Jean Piaget com relação à dicotomia linguagem e estrutura cognitiva? Fale um pouco sobre a sua discussão com Piaget nesse sentido.

Há contribuições duradouras do trabalho de Piaget, o que quer que as pessoas ao final acabem decidindo sobre as teorias dele. Ele abriu novos modos de experimentação sobre os conhecimentos das crianças. Pois ele desenvolveu uma quantidade de idéias experimentais sobre o que você poderia estudar com crianças, e o que você poderia procurar quando estuda o que as crianças sabem a respeito das coisas. Isso foi muito importante, e conduziu a trabalho muito importante e de certo modo se poderia dizer que boa parte da psicologia experimental contemporânea, a psicologia cognitiva, voltada para o conhecimento e desenvolvimento conceptual das crianças tem suas origens no trabalho descritivo que Piaget fez anos atrás e que depois foi elaborado dentro da psicologia cognitiva moderna. Assim, isto é inquestionável.

Por outro lado, se você olhar para as teorias mesmas que Piaget propôs, especialmente suas idéias sobre os assuntos que receberam perguntas aqui, suas idéias a respeito da relação entre linguagem e estrutura cognitiva, elas não resistiram bem ao teste do tempo. Piaget teve duas idéias centrais. Uma é que o desenvolvimento cognitivo passa por vários estágios. Assim, uma criança de um ano é capaz de fazer certas coisas, e uma de quatro anos outras coisas e uma de dez outras diferentes coisas ainda. E que a cada um destes estágios há determinados tipos de operações estruturais que são possíveis. E que os estágios diferem, e que estruturas diferentes estão disponíveis. Esta é a primeira idéia.

A segunda idéia é que em cada estágio a mente é uniforme. Sendo assim, são sempre as mesmas operações que estão disponíveis para tudo. Por exemplo, uma criança de sete anos usa as mesmas operações para a linguagem e para reconhecer objetos no espaço visual.

Estas são as duas idéias básicas. Nenhuma das duas parece estar nem sequer remotamente próxima da verdade. A idéia da uniformidade em cada nível particular, não creio que alguém ainda acredite nisso, será difícil achar quem acredite. Parece que a mente é o que se chama "modular". No sentido de que tem muitos sub-sistemas diferentes, o que quer dizer que é como tudo o mais no universo. O que estou dizendo é que você não pode encontrar um organismo complexo, nem mesmo uma ameba, que não possua sub-sistemas que funcionam de maneiras distintas. Se você olhar para a parte do corpo humano que não seja o cérebro, ou seja, do pescoço para baixo, é claro que ele consiste de diferentes sub-sistemas. Assim o sistema circulatório funciona diferente do rim, que funciona diferente do fígado, e o sistema imunológico é outra espécie de sistema, e assim por diante. Qualquer sistema complicado terá sub-partes que fazem coisas diferentes. E seria um milagre de estarrecer se o mais complicado dos objetos no universo, o cérebro humano, fosse de alguma forma homogêneo, e tivesse um único modo de fazer tudo. Não se conhece nada assim no mundo orgânico, e certamente não é assim no cérebro, tampouco. Então, há sub-sistemas especiais que funcionam para coisas diferentes. Já agora até mesmo conhecemos algo sobre a sua neurologia, mas é seguro que suas propriedades são bem diversificadas. O sistema visual e o sistema de linguagem funcionam de modos inteiramente diferentes. Eles são semelhantes em algum nível, mas esse nível é o da biologia celular, onde eles se assemelham também ao rim. Mas não teremos adivinhação sobre órgãos mentais, assim como não há adivinhação quando se trata de órgãos físicos. Eles são o que são, estão juntos ao nível da biologia celular, e também seja quais forem os princípios gerais existentes na bioquímica, aplicam-se a todos eles.

Então essa idéia, realmente esboroou. Diga-se de passagem que esta era uma idéia compartilhada com o behaviorismo. Assim, Piaget e B.F. Skinner estavam realmente em extremos opostos na psicologia desses anos, mas ambos concordavam em achar que a mente é uniforme, uma só coisa homogênea, com mecanismos gerais para fazer tudo. De um ponto de vista biológico isto seria quase inconcebível, e tudo o que sabemos indica que está errado.

Que dizer sobre os estágios? Bem, certamente é verdade que uma criança de dez anos sabe coisas diferentes de uma de um ano. Mas o que tem ocorrido ao longo dos anos foi que à medida em que foram sendo desenvolvidas maneiras mais sofisticadas de estudar o que uma criança sabe, resultou que coisas que Piaget e outros acreditavam que fossem apreendidas mais tarde já estão na verdade lá desde muito cedo. E de fato quanto melhores se tornam os experimentos mais cedo resulta que os saberes já estão lá. Assim, os estágios basicamente caíram por terra. Se você fizer os experimentos corretamente os tipos de coisas que Piaget procurava você pode encontrar nos primeiros estágios. De fato, quase tão logo você tenha condições de começar a realizar experimentos. Atualmente já há excelentes técnicas para fazer experimentos com bebês muito novinhos, com dias de nascidos, ou até mesmo minutos. Estão saindo resultados muito surpreendentes.

Por outro lado, havia um problema lógico na teoria de Piaget, que a escola de Genebra nunca se dispôs a encarar. As pessoas ficavam perguntando isso a eles, se você ler o livro daquele encontro você verá que o assunto fica sendo levantado a toda hora, mas eles nunca o enfrentaram. O problema lógico era o seguinte. Vamos assumir a teoria de Piaget. Vamos supor que esteja certa. Como você chega de um estágio até o seguinte? Tome por exemplo uma criança no estágio que precede ao da conservação. Então, você tem um jarro de água alto e você despeja a água num jarro grande e largo, e se a criança tem o conhecimento da conservação ela saberá que a quantidade de água nos dois jarros é a mesma. Mas no estágio precedente ao da conservação, de acordo com a teoria, a criança pensará que existe mais água no jarro alto e fino do que no baixo e largo. Na realidade, como já disse antes, isto resulta como não sendo verdadeiro quando se fazem os experimentos de maneira apropriada, mas suponhamos que fosse verdade. Como a criança passaria do estágio pré-conservacionista para o estágio conservacionista? Alguma coisa precisa acontecer para fazer essa transição ocorrer. Bem, o que poderia acontecer? Uma possibilidade é que a criança recebeu mais informação. Mas isto é inconsistente com a teoria de Piaget, porque se a criança tivesse recebido mais informação no estágio anterior então o estágio teria acontecido mais cedo, e não seria um estágio. Seria apenas uma questão de quanta informação a criança recebe. Portanto, o estágio não depende do ambiente externo. Supõe-se que seja alguma mudança interna que está acontecendo. Bom, como acontece uma mudança interna? Bem, só existe uma maneira conhecida, afora o milagre. Está nos gens, de algum modo. Nos gens nós podemos ter até maturação, que acontece tardiamente na vida, mas ainda assim é programada geneticamente, Quero dizer, a puberdade, por exemplo, tem lugar muito após o nascimento. Mas tem lugar devido a alguma coisa no programa genético. Até a morte está programada. Você está arquitetado de tal maneira que você morre numa certa idade, grosseiramente falando. Pode variar, mas está dentro de um certo leque. E isto é parte do programa genético. Assim, qualquer forma de maturação que tenha lugar, qualquer transição de um estágio a outro está de alguma maneira representada nos gens. Os bebês humanos adquirem a visão binocular - usar os dois olhos para ver as coisas - mais ou menos aos quatro meses. Bem, isto é passar de um estágio a outro, mas todos assumem que seja parte das instruções genéticas. Ninguém sabe bem o que é, mas você toma como certo que é isso que é. Bem, vamos atrelar aí o lado mental do que se denomina inatismo. O que nada mais é senão ser racional, a meu ver. Porém para a escola de Genebra o inatismo era considerado um tremendo pecado. Ser inatista você não pode. Mas agora você deu cabo de toda esperança. Você não pode ter maturação geneticamente determinada, você não pode ter informação proveniente do meio ambiente, logo a transição de um estágio a outro é um milagre. Obviamente, isto não pode estar certo. A escola de Genebra nunca encarou isto.

Há uma espécie de comentário à parte, que poderia ser feito. Isto tem algo a ver com a tradição de educação superior européia, que é muito hierárquica. Não nas ciências exatas, como a física. Na física você nem poderia existir se você fosse desse jeito, então nessa área é como em todo lugar. Mas quando você sai das ciências exatas, o sistema europeu de educação, que foi trazido para a América Latina, como você sabe, infelizmente para a América Latina, é um sistema muito hierárquico. O professor é como se fosse um deus, e as pessoas copiam o que ele diz, e depois você passa isso para outras pessoas. Bom, deste jeito não vai haver nunca progresso. Quero dizer, isso é inconcebível. O jeito de haver progresso é quando os alunos se levantam e dizem a você que você errou. Você cometeu um erro, então você começa a pensar no caso e descobre que é um erro. Como Jean Roger Vergnaud, que eu mencionei, que era um antigo aluno meu. Pois ele me escreveu uma carta dizendo: olha, você cometeu um engano, há uma maneira melhor de fazer isso. OK, é assim que se consegue progresso. E nas ciências isto é simplesmente dado como certo. Ninguém nem levanta a questão. Mas nas humanidades, na psicologia, nas ciências sociais, isso não se dá na mesma medida. Assim, é possível haver erros sérios que se perpetuam para sempre, porque ninguém jamais coloca uma pergunta. "O Patrão" falou alguma coisa, então você não questiona. E isto é o que aconteceu neste caso. Acredito que haja aí algumas lições sobre educação em geral. Mas de qualquer maneira: esta era uma situação impossível, então não podia durar. E para resumir: as teorias particulares que Piaget desenvolveu não são realmente sustentáveis, não acho, você não pode realmente aceitá-las e não acho que as pessoas que trabalham na área as aceitem. Por outro lado, o tipo de investigação de que ele foi pioneiro, e que ele desenvolveu, estas vieram a mostrar-se muito frutíferas.

6. Se o léxico é parte da gramática, por que dizer que a semântica está na interface, e não dentro da gramática? E as informações pragmáticas codificadas na língua também não estariam na gramática?

Bem, vamos olhar a coisa considerando que o sistema está dentro da cabeça. Há uma faculdade de linguagem lá dentro, de alguma maneira. Mais ou menos do mesmo modo que o seu rim está dentro do seu corpo. O rim precisa interagir com outros sistemas, então ele tem que interagir com o sistema circulatório, com o sistema digestivo, e coisa e tal. Então, algumas coisas estão no rim, se você olha você vê que há um sistema, e há algumas coisas que estão dentro do sistema e outras que estão fora, mas ele interage com todos os outros órgãos. Agora, quando você pensa seriamente a respeito de um órgão, o exemplo do rim é um pouco enganador, porque muitos dos órgãos do corpo você não pode remover. Quero dizer, você pode remover o rim de dentro do corpo e o corpo continua lá, talvez não funcione muito bem mas continua lá. Por outro lado, você não pode remover o sistema circulatório do corpo e continuar tendo um corpo. O sistema circulatório está em toda a parte. Para remover o sistema circulatório você terá de remover cada célula, por isso você não pode remover o sistema circulatório. O sistema imunológico, você não pode remover. Ele é apenas uma parte das células, mas ainda assim é um sistema. E o sistema imunológico interage com outros sistemas.

O sistema lingüístico é a parte do aparato mental que está produzindo expressões de uma língua, está produzindo expressões como a última sentença que pronunciei antes, que possuía um determinado som e um determinado significado. Se o sistema lingüístico estivesse lá sozinho, com nada mais interagindo com ele, você nem saberia que você tem um sistema lingüístico. Como por exemplo, talvez os macacos realmente possuam o órgão da linguagem, mas apenas eles não têm nenhum sistema para acessá-lo, então talvez ele esteja sacolejando por ali em algum lugar mas eles não podem fazer nada com ele. Isso não é verdade, mas você poderia imaginar que é verdade. Os seres humanos têm outros sistemas, por exemplo o sistema articulatório e os sistemas pelos quais organizamos nossa experiência, digamos, nossa experiência visual. E estes sistemas têm algum tipo de acesso ao sistema lingüístico. É assim que usamos a linguagem para comunicar nossos pensamentos. Nós podemos exteriorizá-los através do aparelho sensório-motor articulatório, e outra pessoa pode captar os ruídos no ar por meio de seus aparelhos perceptuais. E nós possuímos um modo de organizar pensamentos que nos capacita a pensar pensamentos que podemos enviar a outras pessoas, as quais podem em seguida pensar mais ou menos os mesmos pensamentos, porque a língua interage com os seus outros sistemas.

Bem: o que está dentro da língua e o que está fora? Bem, uma expressão típica com articulação, isto é o que está dentro da língua. Então, tome a semântica. Ela está na interface ou está dentro do léxico? Bom, os sistemas de pensamento precisam saber o que significa a expressão lingüística. E eu tenho uma maneira de pensar no mundo. Por exemplo, eu olho e vejo o mundo organizado de determinada maneira, e meu modo de organizar esta impressão visual precisa ser capaz de interagir com a expressão produzida por minha língua que diz: "Há pessoas no auditório". Eu tive que fazer isso. Então, a semântica tem que estar na interface. Caso contrário eu jamais poderia pensar. Minha expressão nunca teria um pensamento associado. A semântica está no léxico? Bem, o léxico possui os traços, ou seja, as propriedades que precisam ser interpretadas na interface. De maneira que se digo "livro" o léxico contém estes traços que no nível do pensamento, no nível da interface, serão compreendidos. E a interface compreenderá não somente estes traços, mas também o modo em que estão organizados. Então uma sentença é uma organização complexa de coisas, e do seu lado semântico ela deverá ser interpretada, e não somente os traços mas o modo em que estão organizados, e suas conexões, e tal. A semântica está no léxico no sentido em que os elementos estão lá, mas ela está também na interface porque é aí que eles são interpretados. A mesma coisa ocorre com o sistema de sons. A palavra "book", deve haver alguma informação sobre a palavra para me indicar que em inglês vai sair "book" e em português vai sair - perdoem a pronúncia - "livre" ou coisa assim. Alguma coisa nessa palavra precisa me indicar que estes dois conceitos saem para fora diferentemente. E isto é feito pelas propriedades fonéticas que estão no léxico. Agora, suponha que alguém pergunte: As propriedades fonéticas estão no léxico ou na interface com os órgãos articuladores? Bem, as duas coisas. Há algo no léxico que vai dizer aos órgãos articuladores "faça tal e tal coisa". E vai dizer ao sistema perceptual: "faça tal e tal coisa com o que você ouve". Então está nos dois lugares.

Quanto às propriedades pragmáticas, a pragmática tem a ver com a maneira pela qual o sistema lingüístico é usado. Para fazer isso, ele precisará saber quais são as propriedades do sistema lingüístico. Você não pode dizer como se usa um martelo a menos que saiba o que é um martelo. Você precisa saber que não pode usá-lo como palito de dente, por exemplo. Porque você tem que saber o que é para saber como usar. E a língua é uma espécie de instrumento, num certo sentido. E o modo como é usada, que a pragmática tenta estudar, depende da fonética, da sintaxe e da semântica. Todas estas propriedades entram na maneira pela qual a linguagem é usada. Então a pragmática é alguma parte da mente que sabe como usar coisas que têm determinado som, sentido e forma. Bem, o estudo disto é a pragmática, e está codificada lá dentro do mesmo jeito. Está como que a um passo de distância da sintaxe, mais do que a semântica, porque faz uso das interpretações semânticas. Então ela usa os processos de pensamento para falar sobre como fazer uma pergunta, por exemplo, ou como conversar com uma pessoa. Você conversa de maneiras diferentes com diferentes pessoas, e a pragmática lida com estas questões. Mas ela usa tudo isto.

A pragmática está codificada no sistema interno? Bem, esta é uma questão para se descobrir. Não se pode estipular. É do jeito que é. Talvez sim, talvez não. Então, pode ser que os modos de falar com diferentes pessoas seja uma coisa codificada no sistema formal. Na verdade, em algumas línguas sabemos que isso é em parte verdadeiro. Assim, por exemplo, tomem o japonês, onde há um monte de modos ritualizados de falar com as pessoas dependendo de qual seja a relação delas com você numa hierarquia de autoridade. Nós fazemos isso em todas as línguas, mas em japonês é altamente formalizado. Você se dirige de maneira diferente a alguém que está acima de você do que a alguém que está abaixo. Vocês têm isso em português, não têm? "o senhor" e "você". Portanto, este é um modo de expressar estas diferenças. Você fala com uma criança de uma maneira, e com o reitor da universidade de outra. Em japonês isto é altamente formalizado, e há pequenas partículas, do tipo das flexões, chamadas honoríficos, e você os coloca em certos lugares, dependendo da sua relação com a pessoa com quem está falando. Nesse caso, uma parte da pragmática, isto é, como você fala com as pessoas, está formalizada. Está marcado no interior da linguagem. Quantas outras coisas estão marcadas, não sabemos. Certamente é verdadeiro de certos estilos de fala, incluindo a pronúncia, está certamente lá dentro, em algum lugar. Até a altura da voz difere. Por exemplo, as pessoas falam com uma criança com um tom mais alto de voz. Quando você fala com seus próprios filhos o seu tom de voz sobe.

As línguas diferem notavelmente em tom característico. Tenho uma filha que é bilingüe em espanhol e inglês. Mesmo se eu não estiver escutando o que ela diz, sei dizer que língua está falando apenas pela altura da voz. Se ela está falando espanhol o tom é mais alto, ao menos no espanhol da Nicarágua, porque as mulheres lá tendem a falar com um tom de voz mais alto do que nos Estados Unidos, então ela automaticamente muda de tom quando muda de língua. Então alguma coisa está codificada no sistema lingüístico mesmo, que tem relação com arranjos sociais complicados. Então está bem: está lá dentro. Mas estas coisas você tem que descobrir, não pode fazer pronunciamentos a respeito.

2. Perguntas via e-mail11 As perguntas da seção “Via e-mail”, colocadas ao final do evento, acima anexadas ao texto, foram enviadas ao conferencista e por ele respondidas via e-mail (Miriam Lemle, organizadora). As perguntas da seção “Via e-mail”, colocadas ao final do evento, acima anexadas ao texto, foram enviadas ao conferencista e por ele respondidas via e-mail (Miriam Lemle, organizadora).

1. Existe pensamento sem palavras? Em que momento ele se traduz em linguagem?

Não há conhecimento científico sobre essas questões. O que sabemos vem de introspecção, intuição e outras fontes semelhantes. A sua suposição vale tanto quanto a de qualquer outra pessoa. A minha própria suposição é a de que existe pensamento não-verbal. A experiência comum é difícil de entender em outras bases. Para tomar um exemplo apenas, é comum a experiência de dizer alguma coisa para depois constatar que não era o que pretendíamos dizer, donde se conclui que devia haver algo que se pretendia dizer mas não se disse. Às vezes é preciso tentar várias vezes até conseguir capturar o que se pretende; às vezes não se consegue mesmo, e temos consciência disso. Portanto, parece que estamos pensando alguma coisa de forma não-verbal e tentando capturar isso em palavras.

Os conceitos em si mesmos são de tal modo obscuros que é difícil formular questões que possam ser seriamente investigadas. Por exemplo, o que é pensamento? Algum dia, é possível que os pontos venham a ser esclarecidos. Mas por ora, é quase tudo mistério.

2. Como o senhor entende a relação entre processamento de linguagem e memória?

O processamento de linguagem requer o acesso ao conhecimento da língua, mas evidentemente a muitas outras coisas mais. Pode envolver estratégias especiais de processamento que não são estritamente parte da língua (no sentido estrito de língua-I). E requer uma memória. Há muitos exemplos de falhas de processamento devidas à estrutura e limitações da memória, e permanece como um tópico de pesquisa descobrir o que é a memória, como é usada, se é específica para linguagem, e assim por diante.

3. Qual é a posição do léxico no programa minimalista? E qual a importância da informação sintática que o léxico envia para a gramática?

O assunto está longe de resolvido. Minha suposição é que o léxico tem um teor bem tradicional: é a "lista de exceções", em termos tradicionais. Para a palavra "livro", por exemplo, a entrada lexical indicará suas propriedades semânticas e fonológicas, com sua associação arbitrária. Qualquer propriedade que seja previsível por regra geral não estará no léxico. O mesmo com outros elementos.

Mas isto é apenas minha visão. Outras pessoas discordam, como por exemplo meus colegas Morris Halle e Alec Marantz, que estiveram desenvolvendo uma teoria de "inserção tardia" e "morfologia distribuída" em que não há léxico no sentido aqui indicado; mas sim, vários sistemas distintos que fornecem a informação lexical em pontos diversos da computação. Pessoalmente, não estou convencido de que pontos empíricos reais tenham sido apresentados, mas esta é provavelmente uma opinião minoritária.

De qualquer forma, as entradas lexicais precisam fornecer todas as propriedades que são usadas pelo sistema computacional, que no final as converte em representações na interface. Os traços acessados pela parte não fonológica do sistema computacional são o que se chama de "traços formais". Há muitas questões interessantes a respeito desses traços, algumas das quais discuti na conferência. Mas lembrem-se, estas são questões abertas, e há aí muito espaço para debate e exploração.

4. Qual é a sua avaliação das línguas de sinais, ou seja, a estrutura das línguas baseadas no canal visual-gestual?

Parece haver forte evidência de que as línguas de sinais fazem uso do mesmo "órgão" de linguagem que é usado para a linguagem falada. É claro que há também diferenças: os sistemas sensório-motores permitem opções diferentes. A pesquisa destes assuntos nos últimos anos mostrou-se muito reveladora, e estou certo de que ainda há muita coisa a descobrir.

5. Existe alguma prova de que todos os falantes nativos realmente possuem o mesmo nível de competência na sua língua?

Na pesquisa empírica, a palavra "prova" está fora de lugar. Somente em matemática há provas. Assim, o que deveríamos estar perguntando é se há evidência de que todos possuem o mesmo nível de competência. Mas há um problema com esta formulação também. A noção "nível de competência" não está definida, e de fato parece uma amálgama de duas noções de "competência" bem distintas.

Há um sentido técnico do termo, em que ele é usado para referir a um estado da faculdade de linguagem. É apenas uma outra maneira de fazer referência à língua-I, ou o estado de possuir uma língua-I específica. Neste sentido do termo, não podemos falar de "nível de competência".

Há também um sentido informal do termo "competência", quando ele é usado para significar algo como habilidade. Sem dúvida, as pessoas diferem bastante na habilidade de fazer uso dos recursos da língua - alguns são poetas, outros não. Mas mesmo aqui, o termo "nível de competência" está fora de lugar. Há dimensões em demasia. Um grande poeta pode ter falta de competência para a conversação comum, por exemplo. Em suma, a pergunta requer uma boa quantidade de clarificação antes de poder ser enfrentada de forma séria. Um número excessivo de fatores entram em cena, e é necessário que sejam extrincados.

6. Por que o senhor disse que não há nível X-barra?

Em base de assunções minimalistas, esperaríamos que a teoria X-barra não deveria existir, pois viola o que se chama às vezes de "condição de inclusividade": a condição pela qual a computação não deveria introduzir traços que já não estivessem presentes no léxico, mas deveria restringir-se a reunir e reestruturar traços do léxico. Este seguramente seria um "design melhor". Se esta expectativa é preenchida é contudo uma outra questão. Acho que talvez seja, por razões que discuti em outros trabalhos: Bare phrase structure e o capítulo 4 da coletânea The Minimalist Program. Mas muitos lingüistas conhecidos discordam, e é possível que estejam certos. É uma questão em aberto em que medida as línguas satisfazem princípios de bom design - isto é, até que ponto as intuições minimalistas são acertadas.

7. Porque a ligação não está dentro da teoria?

O mesmo que em 6. Se a teoria da ligação estiver dentro da computação, então são necessários índices ou algo semelhante, o que viola a condição de inclusividade. Há alguns argumentos no capítulo 1 de Minimalist Program que tentam mostrar que podemos sustentar a assunção preferível de que a teoria da ligação é externa. E no final do capítulo 3 há argumentos adicionais defendendo que podemos até melhorar a adequação descritiva e explicativa assumindo o design melhor, nesse sentido. Porém, novamente, esta é uma questão em aberto e controvertida.

8. Se eu compreendi bem, regência não existe, c-comando é uma condição não-natural, os níveis de barra deveriam ser anulados e as antigas regras de estrutura de frase eliminadas. Isto quer dizer que não há organização estrutural das sentenças? Como eu deveria lidar com a ambigüidade da sentença "flying planes can be dangerous?"

Com base em assunções minimalistas, regência, níveis de barra e regras de estrutura de frase não deveriam existir. Estas assunções podem estar ou não corretas. Quanto ao c-comando, sempre pareceu muito pouco natural, mas como apontou Samuel Epstein, ele fica muito natural a partir de assunções minimalistas, se tomarmos a abordagem derivacional ao pé da letra. Visto assim, o c-comando é a relação que existe entre X e partes de Y quando X é fundido (merged) a Y (e, inversamente, entre Y e as partes de X) . É, portanto, uma relação que é induzida de modo muito natural pela computação mesma.

Evidentemente, isto não é bem o c-comando tradicional. Assim, se X for fundido não-ciclicamente - i. é, fundido com um Y que já é parte de uma estrutura maior Z - então não há relação de c-comando entre X e as partes de Z que estão fora de Y. Este fato foi usado como argumento para mostrar que a fusão deve ser cíclica (o que significa que Mover-alpha também deve ser cíclico). A proposta foi trabalhada primeiro por Hisa Kitahara (um aluno de pós-graduação de Epstein, em Harvard) se não me falha a memória, e foi discutida em sua tese de doutoramento, alguns artigos e um livro a sair.

Mas mesmo se assumirmos tudo isto, não concluiremos que não há organização estrutural das sentenças. Antes, existe organização estrutural, porém ela não envolve outras categorias além de elementos lexicais e os objetos sintáticos construídos a partir deles por Merge e Atrair. No caso de "flying planes can be dangerous", não há nós NP ou VP, etc., mas a organização estrutural está lá, conforme desejado, expressa simplesmente em termos dos traços categoriais dos elementos lexicais e suas combinações. Os detalhes estão elaborados nos trabalhos citados acima (Bare Phrase Structure e o capítulo 4 de The Minimalist Program).

9. As representações analíticas da Gramática Universal (Faculdade de Linguagem) têm se tornado cada vez mais abstratas no modelo. Não seria demais esperar que princípios tão abstratos possam explicar (restringir) todos os padrões lingüísticos observáveis? Não haveria uma espécie de "fosso" entre estes dois níveis? Se isto é verdade, sem levar em conta a contribuição de outros fatores (sócio-históricos, uso etc.) sobre o comportamento lingüístico, como é possível fazer afirmações seguras sobre o poder de determinação (restrição) da faculdade de linguagem sobre o comportamento lingüístico?

Se compreendi bem, há aqui duas perguntas: (1) É "esperar demais" que princípios do tipo que postulamos dêem conta das estruturas possíveis da língua? (2) "Como é possível fazer afirmações seguras" sobre o modo em que a faculdade lingüística determina o comportamento lingüístico?

O único meio de responder à pergunta (1) é prosseguindo na investigação da gramática universal (GU). Estou de acordo com que seria extremamente surpreendente se a GU acabasse por mostrar ter as propriedades de "bom design" que motivaram o programa minimalista. Para colocar isto de modo figurativo, seria como dizer que a língua se parece mais com um floco de neve do que com um pescoço de girafa, se olhada em termos evolucionários. Isto seria muito surpreendente, sem dúvida, e portanto muito interessante na medida em que for verdadeiro.

Quanto à pergunta (2), não dá para fazer afirmações seguras sobre este tipo de assunto. O corriqueiro "aspecto criativo do uso da linguagem" fica muito além da pesquisa do tipo que costumamos chamar de "ciência". A mesma observação se aplica ao uso do sistema visual, do sistema motor, e assim por diante. Podemos ser capazes de dizer algumas coisas sobre o que as pessoas terão propensão a dizer ou fazer em determinadas circunstâncias. Por exemplo, vocês poderiam ter previsto que eu não iria responder a esta pergunta com informação meteorológica a respeito do tempo em Boston hoje. Porém desconheço o que se possa dizer de sério sobre tais questões. Tudo isto ainda se mantém verdadeiro se levarmos em conta fatores sócio-históricos e outros.

10. No Português do Brasil, a inversão sujeito-verbo de modo geral não é permitida. Contudo, dá resultados gramaticais, tanto em frases afirmativas quanto interrogativas quando o verbo é inacusativo. Dado o programa minimalista, é possível ter uma classe de verbos "marcada" de algum modo para que permita que o sujeito cheque seu caso de maneira encoberta? (isto não é obrigatório, porque as duas ordens, sujeito-verbo e verbo-sujeito, são possíveis com verbos inacusativos). A inversão do sujeito não é gramatical, em regra, com todos os demais verbos, com o sujeito checando caso abertamente em [spec , tp] ou [spec, agrp]. Note que a proposta de caso partitivo de Belletti (1988) não se aplica aqui.

A pergunta só pode ser respondida se pudermos olhar os fatos de perto. A descrição, se entendi bem, dá os fatos como equivalentes aos do francês neste ponto (e, virtualmente, como os do inglês, exceto que em inglês o objeto de um inacusativo é na verdade extraposto, eu acho, por razões que não posso discutir aqui - estão no "capítulo 5", ainda não redigido). Se for assim, não deveria haver razão para assumir mecanismos mais ricos do que os do capítulo 4, portanto nenhuma marcação especial para verbos além da [+/- acusativo]. Mas possivelmente não compreendi bem o ponto.

  • 1 As perguntas da seção “Via e-mail”, colocadas ao final do evento, acima anexadas ao texto, foram enviadas ao conferencista e por ele respondidas via e-mail (Miriam Lemle, organizadora).
    As perguntas da seção “Via e-mail”, colocadas ao final do evento, acima anexadas ao texto, foram enviadas ao conferencista e por ele respondidas via e-mail (Miriam Lemle, organizadora).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      1997
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