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RAPOSO, E. (1992) Teoria da Gramática: A faculdade da linguagem

RESENHA

RAPOSO, E. (1992) Teoria da Gramática: A faculdade da linguagem. Lisboa: Ed. Caminho, 527 p.

Resenhado por: Jânia RAMOS (Universidade Federal de Minas Gerais) & Lorenzo VITRAL

(Universidade Federal de Minas Gerais)

Key words: Syntax; Generative grammar; Principles and Parameters; Government and Binding; Portuguese.

Palavras-chave: Sintaxe; Gramática gerativa; Princípios e Parâmetros; Regência e Ligação; Português.

Eduardo Raposo, além de ser um pesquisador internacionalmente conhecido, é um divulgador da Gramática Gerativa. Esta Teoria da Gramática: a faculdade da linguagem, que vem se juntar à sua Introdução à Gramática Gerativa de 1978 e à tradução de Aspects, também de 1978, tem como objetivo a difícil tarefa de "introduzir [a teoria gerativa] de maneira acessível a estudantes de nível universitário e ao público interessado em geral"(p.17). O fato de o livro ter sido escrito em língua portuguesa vem preencher uma lacuna nos cursos de graduação e pós-graduação em Lingüística no Brasil, que nos anos recentes dispunham apenas de manuais escritos em inglês e em francês.

Os dados apresentados são do Português Europeu, o que propicia ao aluno brasileiro a oportunidade de ver diferenças sintáticas robustas num dialeto inteligível. Vejamos alguns exemplos:

(i) a. *Ontem o Manuel jogou o futebol (p. 91) b. *Pedro comeu a maçã. ("Pedro" é nome próprio usado
referencialmente) (p.90). (ii) a. Ontem o Manuel jogou ao futebol (p.91) b. Todos os alunos passaram um exame (p.205)

As sentenças (ia.b) são bem formadas para falantes do Português Brasileiro, embora sejam malformadas para falantes do Português Europeu. Já em relação às sentenças (iia-b), o contrário se verifica. A apresentação da análise de dados de um dos dialetos do Português propicia, em sala de aula, espaço para reflexões relativas à adequação descritiva e explicativa do modelo, algo que é desejável na utilização de um livro introdutório de sintaxe.

Muitas vezes são aplicadas aos dados do Português Europeu análises desenvolvidas a partir da comparação de outras línguas, como o Inglês. Tais aplicações permitem explicitar fatos da gramática do Português, o que assegura ao livro um caráter atual, independentemente das revisões ocorridas no programa de pesquisa gerativista (Ver páginas 150-4).

Quanto ao conteúdo, o livro recobre o período de 1957 a 1989, sendo sua maior parte dedicada à fase de 1981-1988, que é chamada "teoria de regência e ligação". Subdivide-se em dezessete capítulos. No Prefácio, são definidas as noções básicas que orientam o programa de pesquisa em Gramática Gerativa: a concepção de (a) linguagem como uma faculdade da mente humana, resultado da interação complexa de vários subsistemas ou módulos autônomos de natureza diversa, caracterizados por regras e princípios específicos (p.15); (b) língua particular como sistema computacional existente na mente de qualquer falante adulto de uma dada língua (p.15); e (c) gramática universal como um conjunto de propriedades inatas, biologicamente determinadas, de natureza especificamente lingüística e cujo desenvolvimento e" maturação", em interação com o meio ambiente, determina uma gramática particular na mente de cada indivíduo (p.16). No capítulo um, são comentadas algumas questões de natureza epistemológica do modelo de princípios e parâmetros, a saber, a natureza "mentalista" da teoria, a autonomia da sintaxe, a modularidade da mente, as noções de competência e desempenho, o papel da evidência positiva no processo de aquisição, e o "problema da projeção", que poderia ser descrito como "projeção quantitativa e qualitativa dos dados primários (necessariamente finitos e consistindo de expressões simples) sobre o conjunto infinito de expressões da língua"(p.37). O capítulo dois trata da estrutura de constituintes e categorias gramaticais, apresentando as relações formais básicas de dominância, precedência, condição de exclusividade e irmandade. O capítulo três é dedicado ao léxico, definido como o componente gramatical onde se encontram as informações de natureza fonológica, sintática e semântica sobre os itens (p.89). Diferentes propostas do mecanismo de inserção lexical são apresentadas, tendo como ponto central a noção de subcategorização. O capítulo quatro trata das noções de estrutura-D, estrutura-S e regra de movimento. São formalizadas as operações de adjunção e substituição, resultando em adjunção e substituição. O capítulo cinco trata da Forma Lógica, definida como "um nível de representação abstrato cuja função consiste em representar os aspectos do significado de uma oração que são determinados pelas suas propriedades estruturais"(p.137). São apresentadas motivações para a postulação desse nível, a partir da aplicação da regra de Alçamento de Quantificador e seus efeitos, seguindo May (1977). O capítulo seis trata da teoria X-barra, módulo este que permite a homogeneização da projeção das categorias lexicais (N, V, A e P). Partindo-se do princípio de endocentricidade, são apresentadas sentenças em que V, N, A e P apresentam complemento e especificador. Argumenta-se a favor da universalidade desse padrão entre as línguas, através da apresentação de parâmetros de ordem linear. O capítulo sete trata da extensão do esquema X-barra às categorias funcionais (D(eterminant), AGR(eement), I(nflection), T(ense) e C(omplementizer)), o que leva à discussão da Restrição sobre Movimentos de Núcleo. Inclui-se neste capítulo a descrição de estruturas resultantes de adjunção: adjuntos adverbiais, predicados secundários, orações relativas e Pps (Prepositional Phrases) com função temática de posse e orações pequenas. O capítulo oito inicia-se com uma discussão sobre o potencial de referência do DP(Determinant Phrase). A questão da dependência referencial conduz à conceituação e distribuição de anáforas, pronomes e expressões-R(eferenciais). As noções de c-comando e ligação são apresentadas a partir da discussão de condições de boa formação: Condição de Oração Temporalizada, Condição de Sujeito Especificado e Condição de Ilha Nominativa. O capítulo nove inicia-se com a identificação do verbo como predicador cujo sentido central é completado por argumentos. Em seguida, passa-se à caracterização da teoria temática. A correlação entre função semântica e papel temático de DPs é explicitada através de uma argumentação que resulta de uma adaptação dos trabalhos de Fillmore (1968) e Jackendoff (1972). Em seguida, o Princípio de Projeção é descrito e suas conseqüências na eliminação do componente categorial são exploradas. O capítulo dez é centrado no critério temático, que é uma condição cuja finalidade é assegurar que as posições projetadas através do Princípio de Projeção sejam devidamente preenchidas por argumentos (p.303). São então apontadas posições temáticas e não temáticas, tomando-se construções passiva e inacusativa como exemplo, o que leva à discussão de diferentes tipos de cadeias. Por fim, é apresentada uma rápida discussão sobre hierarquia temática. O capítulo onze é dedicado às categorias vazias (pro, PRO, variável e vestígio), acompanhadas das respectivas condições de licenciamento. Duas subseções são dedicadas à discussão de objeto nulo. O capítulo doze trata da teoria de Caso, explicitando as noções de Caso abstrato e morfológico. Regras de atribuição casual e o Filtro de Caso são formalizados de modo sucinto. Passa-se então à teoria da regência, que é apresentada como relação de localidade, da qual se depreende a noção de barreira e a condição de minimalidade. Em seguida é retomada a teoria de Caso, com o propósito de tratar dos atribuidores casuais (verbos, particípios passivos e verbos inacusativos) e a condição de adjacência. O capítulo treze retoma a teoria da regência, reformulando a noção de barreira, de modo a dar conta da possibilidade de determinadas orações infinitivas conterem sujeito fonético. O capítulo quatorze aprofunda ainda mais a noção de barreira, justificando a necessidade de postulação de dois princípios e as respectivas conseqüências empíricas e teóricas: (a) o Princípio de Subjacência, que "impõe condições estritas de localidade sobre a 'distância' atravessada por uma categoria no seu percurso entre o ponto de partida e o ponto de chegada de um movimento transformacional"(p.391); e (b) o Princípio de Categoria Vazia, que "impõe condições sobre a posição que um vestígio pode ocupar"(p.391). O capítulo quinze aprofunda a teoria da ligação, mostrando evidências empíricas a favor da unificação das condições de Sujeito Especificado e Ilha Nominativa, o que conduz à formulação da noção de Categoria de Regência, e à conseqüente exigência de reformulação dos princípios A, B e C da teoria da ligação. Por fim, conclui-se que a teoria da ligação tem de ser satisfeita na Forma Lógica e explicita-se a extensão do problema que essa conclusão acarreta do quadro da TRL (Teoria de Regência e Ligação). O capítulo dezesseis trata do licenciamento e identificação das categorias vazias e do parâmetro do sujeito nulo. O capítulo dezessete trata das condições temáticas e casuais sobre cadeias, discutindo as conseqüências da postulação da condição de visibilidade na interpretação de categorias vazias e pronomes expletivos, o que conduz a uma nova análise do par expletivo-argumento: na Forma Lógica o expletivo "desaparece" e o NP(Noun Phrase) argumento é movido para a posição com Caso, que era a cabeça da cadeia. Por fim, são discutidas as propriedades formais de NPs que contêm ou Caso estrutural ou Caso inerente. O Caso partitivo e o efeito de definitude são o assunto da última subseção.

Como se pode ver, há recorrência de um mesmo tópico em capítulos diferentes e apresentação de diferentes versões de um mesmo princípio ou definição. Essa distribuição evidencia uma preocupação em graduar a dificuldade das informações. A precisão e o encadeamento com que as informações são apresentadas permitem que este livro seja uma fonte de consulta extremamente útil mesmo para o leitor de trabalhos gerativistas mais recentes.

Nos vários capítulos, a argumentação quase sempre se desenvolve através da apresentação de propostas de análise cronologicamente dispostas. No capítulo seis, por exemplo, retoma-se Chomsky (1970), depois Stowell (1981) para se chegar até a Fukui e Speas (1986). Este encaminhamento da discussão evidencia uma preocupação do autor em historiar o percurso dos modelos, o que torna o livro abrangente quanto aos tópicos selecionados porém com tratamento pouco aprofundado. Por ser um livro introdutório, o não aprofundamento não chega a ser um problema, devido à precisão das informações e o encadeamento apresentados, conforme já ressaltamos.

O historicismo não é uma característica peculiar ao manual de Eduardo Raposo. Outros livros introdutórios, disponíveis no mercado, também optam por refazer os passos do desenvolvimento dos modelos teóricos da gramática gerativa. Para o aluno, principalmente o de graduação, chega a ser até um pouco frustrante aprender um modelo teórico e, em seguida, ter de abandoná-lo em proveito de um outro. Para uma melhor compreensão desta substituição contínua de modelos e soluções, talvez fosse útil ter incluído as noções de ciência e falsificacionismo. Retomar etapas é, muitas vezes, inevitável mas, às vezes, acrescenta pouco, do ponto de vista didático. É o caso, por exemplo, da exposição no capítulo 8, retomada no capítulo quinze, a respeito das condições de Sujeito Especificado e Ilha Nominativa que foram substituídas pelos Princípios de Ligação. Em nome da parcimônia, os princípios da Ligação poderiam ter sido apresentados de forma direta.

Ainda em relação ao aspecto didático, alguns capítulos nos pareceram bastante complexos para um livro introdutório, de uso escolar. O capítulo quatorze, por exemplo, sobre as restrições às quais se submete a regra mover-alfa, inclui a discussão e a comparação de três pontos de vista principais: o de Chomsky (1986), a teoria de Rizzi (1990) e a visão do próprio Raposo sobre o tema. Talvez a simples exposição dos resultados de um desses pontos de vista já bastasse para atender aos objetivos propostos. Acreditamos também que, em proveito da clareza, poderia ser excluída a discussão do capítulo 15 sobre a ausência de distribuição complementar entre anáforas e pronomes em nominais complexos (ou, no máximo, apontada em nota). A solução do problema discutida por Raposo, a de Chomsky (1986b), é claramente insatisfatória ou provisória e sua inclusão compromete o fechamento do referido capítulo.

As objeções levantadas aqui, como se pode ver, são todas de caráter secundário. O livro é uma introdução bastante completa à teoria da gramática gerativa e é fortemente recomendado. Ressentimo-nos, entretanto, da presença de exercícios, que problematizassem os assuntos apresentados, e também de índice remissivo de assunto. Se incluídos, o livro ganharia em termos didáticos.

(Recebido em 24/05/1996. Aprovado em 27/08/1996)

Referências Bibliográficas

CHOMSKY, N. (1965) Aspects of the theory of Syntax. The MIT Press, Cambrige, Massachusetts. Tradução de E. Raposo, Coimbra, Armenio Amado, 1978 (2a edição).

__________ (1970) Remarks on Nominalization. In: Jacobs, R.A. e P.Rosebaum (eds.) Readings in English Transformational Grammar. Waltham, Massachusetts, Ginn and Company.

__________ (1986) Barries. The MIT Press, Cambridge, Massachusetts.

FILLMORE, C.J. (1968) The Case for Case. In: Bach, E. & R.T. Harms (eds.) Universals in Linguistic Theory. New York, Holt, Rinehart and Winston, Inc.

FUKUI, N. & M. SPEAS (1986) Specifiers and Projection. Manuscript, MIT.

JACKENDOFF, R.S. (1972) Semantic Interpretation in Generative Grammar. The MIT Press, Cambridge, Massachusetts.

MAY, R. (1977) The Grammar of Quantification. PhD Dissertation, MIT.

RAPOSO, E. (1978) Introdução à gramática gerativa: Sintaxe do Português. Lisboa, Moraes Editores.

RIZZI, L. (1990) Relativized Minimality. The MIT Press, Cambridge, Massachusetts.

STOWELL, T. (1981) Origins of Phrase Structure. PhD Dissertation, MIT.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 1998
  • Data do Fascículo
    Fev 1997
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